Proposta de inclusão na CPLP do princípio de recrutamento de funcionários conforme a um princípio de distribuição nacional equitativa

Marco Binhã/ Fevereiro 29, 2016/ Areas de Atuação, Direito da Igualdade, Direito Internacional e Comunitário

Proposta Sobre

“A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”

de inclusão expressa do objetivo
de recrutamento de funcionários e agentes conforme a um  principio de distribuição nacional equitativa

1.        Considerandos Iniciais

Considerando que:

  • A CPLP é uma organização internacional regida pelo princípio da igualdade dos Estados-membros;
  • A igualdade dos Estados-membros é condição da independência da Comunidade e da sua vocação internacional;
  • A CPLP tem como um dos seus maiores desafios o de se superar no contexto do mundo globalizado sem se descaracterizar, transformando os vínculos históricos, linguísticos e afetivos numa poderosa alavanca para o desenvolvimento no espaço da CPLP, observando que a descontinuidade geográfica, a existência de uma extensa área marítima, o considerável potencial económico e estratégico e a diversidade cultural que caracterizam o espaço da Comunidade constituem um importante património que deve ser valorizado;[1]
  • A X Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovou a 23 de Julho de 2014, em Díli, a “Resolução sobre a Criação do Grupo de Trabalho para a Definição de uma Nova Visão Estratégica da CPLP, para discutir e propor, ao Conselho de Ministros, diretrizes e políticas que servirão de base para a sua aprovação, na XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP”; [2]
  • No seguimento da Resolução, o Comité de Concertação Permanente (CCP) aprovou, a 24 de Outubro de 2014, os Termos de Referência que definem e orientam as áreas de atuação e os assuntos a analisar pelo Grupo de Trabalho, constituído por Representantes dos Estados-Membros; [3]
  • Entre os assuntos aprovados pelo CCP para serem analisados pelo Grupo de Trabalho, denominado GT Visão, encontra-se a análise da Organização e do Funcionamento da CPLP;
  • A visão da CPLP para a próxima década deve permitir aos Estados-Membros o reforço da cooperação multilateral, assente no interesse dos seus povos no desenvolvimento sustentável e harmonioso, em conformidade com os postulados da Declaração Constitutiva; [4]
  • Quanto aos recursos humanos da Organização, designadamente, a capacitação dos funcionários, a criação de melhores condições e o eventual recrutamento de quadros especializados, o GT Visão considerou ser matéria de gestão interna do Secretariado, de acordo com o regulamento em vigor; [5]
  • Reportando-se aos concursos para admissão de funcionários do Secretariado, o GT Visão recordou que devem ser reforçados os mecanismos que permitam assegurar a representatividade dos Estados-Membros; [6]
  • O Secretariado Executivo, principal órgão executivo da CPLP, é dirigido pelo Secretário Executivo, o qual tem entre as suas principais competências nomear o pessoal a integrar o Secretariado Executivo após consulta ao Comité de Concertação Permanente;
  • A eficácia e a competência técnica do funcionamento do Secretariado Executivo é compatível com o princípio da igualdade soberana, nomeadamente, pelo exercício dos cargos e funções com independência e lealdade aos compromissos e interesses da Comunidade;
  • O estabelecimento e cumprimento de normas de procedimento e de transparência no recrutamento e na contratação asseguram a longo prazo o cumprimento de critérios de equidade na participação das nacionalidades dos Estados-membros entre os funcionários e agentes da Organização;
  • É proposta a inclusão expressa de um considerando que se compreenda junto aos pontos 56 e 57 da atual Proposta de Relatório Final d”A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”, com redação que inclua:

o dever do Secretário Executivo considerar no procedimento de recrutamento e nomeação dos funcionários do secretariado e demais agentes da Organização, a observação da mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-membros, sem prejuízo da eficácia e da competência técnica exigida para a função.

2.       Fundamentação da Proposta

  • A igualdade dos Estados-membros na atuação da CPLP
    • Para fundamentar o princípio da independência dos funcionários e demais agentes da CPLP, parte a presente proposta do princípio geral de igualdade entre os Estados-Membros, princípio geral de direito internacional público, fundamental na constituição da CPLP e que encontra desde logo consagração expressa no art. 5.º, n.º 1, alínea a) dos Estatutos.
    • A tal princípio e como marca da sua intensidade na constituição da CPLP, sendo esta uma organização internacional essencialmente de cooperação, consagra-se o princípio da formação de atos por consenso de todos os Estados-membros nos órgãos de composição plenária, como se ilustra no órgão máximo da CPLP, a Conferência, constituída pelos Chefes de Estado e/ou de Governo de todos os Estados-Membros, bem como no Conselho de Ministros da CPLP, o Comité de Concertação Permanente da CPLP, e ainda, como princípio na redação atual dos Estatutos, na Assembleia Parlamentar da CPLP.
    • Ao Secretariado Executivo, dirigido pelo Secretário Executivo, bem como ao Diretor-Geral, são omissos os atos constitutivos, designadamente a Declaração Constitutiva, os Estatutos com as suas revisões, e os ulteriores atos de adesão, no que respeita a qualquer provisão dirigida à participação em igualdade dos Estados-Membros na formação dos seus atos.
  • A independência dos funcionários e agentes da CPLP
    • O Secretariado-Executivo, o Secretário-Executivo que a dirige, bem como o Diretor-Geral, correspondem a órgãos de composição caracterizada de restrita, por oposição a órgãos plenários.
    • Nestes órgãos de composição restrita, a igualdade de participação não corresponde à participação efetiva de um representante ou nacional de cada Estado-membro na formação e manifestação da respetiva vontade institucional.
    • Estes órgãos visam a prossecução do interesse da Comunidade, conforme definido pelos competentes órgãos plenários, sob a supervisão do Conselho de Ministros da CPLP. A sua natureza administrativa/executiva determina que se procure na instituição da sua composição e procedimento de formação e manifestação de vontade a eficácia mais do que a igualdade dos Estados-Membros.
    • Os atos constitutivos são omissos quanto à exigência de independência ao Secretariado-Executivo, ao Secretário-Executivo que a dirige, bem como ao Diretor-Geral, quer aos demais funcionários e agentes da CPLP.
    • O Secretário-Executivo é uma alta personalidade de um dos Estados-membros da CPLP, eleito para um mandato de dois anos, mediante candidatura apresentada rotativamente pelos Estados membros por ordem alfabética crescente.
    • A coadjuvar o Secretário-Executivo estabelecem os Estatutos o Diretor-Geral, responsável, sob a orientação do Secretário Executivo, pela gestão corrente do Secretariado, planeamento e execução financeira, preparação, coordenação e orientação das reuniões e projectos levados a cabo pelo Secretariado
    • O Diretor-Geral é recrutado entre os cidadãos nacionais dos Estados-membros, mediante concurso público, pelo prazo de 3 anos, renovável por igual período.
    • A independência do Secretariado-Executivo, do Secretário-Executivo que a dirige, bem como do Diretor-Geral, quer dos demais funcionários e agentes da CPLP exprime-se por um lado, no dever que aos agentes internacionais incumbe no exercício das suas funções, desde a verificação da habilitação para a prática do ato, bem como aos fins visados com o mesmo, de se guiarem sempre e apenas pelos interesses da Comunidade tal como definidos pelos atos constitutivos e atos adotados pelos referidos órgãos plenários.
    • A independência destes órgãos, por outro lado, exprime-se por não solicitarem, nem aceitarem instruções, nem muito menos ordens do Estado de que são nacionais, bem como na obrigação aos Estados-Membros de os não tentarem influenciar no exercício das suas funções.[7]
    • Esta independência dos funcionários e agentes internacionais transfigura o órgão da organização internacional num órgão de natureza intergovernamental.
    • A independência dos funcionários e agentes internacionais é de tal modo considerada essencial que muitos dos atos constitutivos de organizações internacionais expressamente a consagram, inter alia 100.º da Carta das Nações Unidas, 9.º da Organização Internacional do Trabalho, 36.º do Conselho da Europa, 11.º da OCDE.
    • A omissão dos atos constitutivos da CPLP sobre a independência do Secretariado-Executivo, do Secretário-Executivo que a dirige, bem como do Diretor-Geral, quer dos demais funcionários e agentes, não infirma o entendimento geral internacional e a prática uniforme nas organizações internacionais, a qual pode considerar-se um bem estabelecido princípio de direito internacional de origem consuetudinária.[8]
    • É em atenção à igualdade dos Estados-Membros que a indigitação do Secretário-Executivo à Conferência é determinada rotativamente pelos Estados-Membros, para um mandato de duração de dois anos, uma vez renovável por igual período.
    • É, também, em atenção à igualdade dos Estados-Membros, numa perspetiva de maior independência face aos Estados-Membros que o Diretor-Geral é recrutado entre os cidadãos nacionais dos Estados membros, mediante concurso público, pelo prazo de 3 anos, uma vez renovável por igual período.
    • Todavia, em acumulação a estes procedimentos que provisionam independência, respetivamente, ao Secretário-Executivo e ao Diretor-Geral, especialmente quanto a estes, a independência do exercício das funções conforme é costume internacional neste tipo de órgãos é conveniente para assegurar a igualdade dos Estados-Membros que se pretende e que a vocação do órgão para o cumprimento da missão lhe confiada pela Comunidade, exige.
  • Da distribuição nacional equitativa
    • A CPLP é composta por nove Estados-Membros, designadamente, República de Angola, República Federativa do Brasil, República de Cabo Verde, República da Guiné-Bissau, República da Guiné Equatorial, República de Moçambique, República Portuguesa, República Democrática de São Tomé e Príncipe, e República Democrática de Timor-Leste, cada um atribuindo uma respetiva nacionalidade.
    • A área do globo terrestre ocupado pelos Estados-Membros corresponde a (10 742 000 km2) mais de 7% do total da área terrestre e distribui-se por quatro dos cinco continentes, Europa, América, África e Ásia.
    • Conforme aos Estatutos e ao acordo em vigor quanto à sede da CPLP, esta, localiza-se em Portugal.
    • Circunstâncias várias resultam em que verificando-se os funcionários e agentes da CPLP a 31 de Dezembro de 2015, 80% são de nacionalidade portuguesa. [9]
    • Conforme às estatísticas, bem como o sector privado e o funcionalismo público dos vários Estados-membros o demonstram, a taxa de escolarização, em especial do Ensino Superior nos vários Estados-Membros, tem crescido sustentadamente.[10]
    • Tal pendor da nacionalidade de um Estado-membro pode constituir um constrangimento à igualdade de participação dos Estados-Membros, à independência dos órgãos executivos e consequentemente à imagem da vocação internacional da CPLP.
    • No processo de recrutamento e contratação de funcionários e demais agentes à conveniência da residência no território do Estado-Membro onde se localiza a sede, deve sobrepor-se a conveniência de corresponder à mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-Membros, sem comprometer a eficiência, a competência e a integridade que se exige ao funcionário ou agente.
    • Frisa-se que o interesse de corresponder à mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-membros é inferior ao interesse de eficácia, eficiência, competência e integridade do funcionário e agente.
    • O princípio da distribuição nacional/geográfica equitativa no seio das organizações internacionais consta inter alia do art. 101.º, n.º 3 da Carta das Nações Unidas, do art. 2.º, n.º 1 do Anexo II da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, do art. VIII, §3 da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, do art. 9.º, (7) da Organização Mundial da Propriedade Inteletual, do art. 35.º da Organização Mundial de Saúde.
    • Em Novembro de 1947 a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu os motivos da consideração geográfica. Afirmou que em virtude do seu carácter internacional, os parâmetros e procedimentos de atuação administrativa do Secretariado deveriam refletir o mais possível o acervo das diversas culturas e da competência técnica de todos os Estados-membros. Assim se concedendo uma importância primordial ao carácter universal das Nações Unidas, e por conseguinte, à representação mais ampla possível de todas as culturas e diversidade características dos Estados-Membros. Continua a deliberação esclarecendo que desse modo o Secretariado atuaria de forma independente e refletiria plenamente a riqueza dos numerosos componentes das Nações Unidas, ao mesmo tempo que garantiria que nenhum Estado ou grupo de Estados predominaria sobre os demais – tal fundamentação mutatis mutandis faz todo o sentido no seio da CPLP.
    • A aplicação do princípio deverá considerar todos os Estados-membros como iguais. Sendo esta igualdade a matriz presente na Comunidade e que encontra poucas exceções, entre estas, a definição da quota respetiva a cada Estado-Membro.
    • A prossecução do interesse da mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-Membros implica, com reserva dos compromissos contratuais estabelecidos, considerar:
  1. a aplicação do princípio não apenas aos funcionários, mas igualmente a agentes não funcionários, como por exemplo, os colaboradores internos ocasionais, os colaboradores externos, os peritos nacionais, estagiários, etc.;
  2. o estabelecimento de objetivos específicos de cumprimento do princípio no quadro de funcionários;
  3. a conveniência de preferencialmente contratar, funcionários e demais agentes, a termo;
  4. a publicação anual, que inclua a ponderação da duração do contrato ao longo do ano, da percentagem das nacionalidades representadas no global e em cada uma das categorias, subcategorias, ou grupo de funções;
  5. a contratação preferencialmente por concurso público, cujo anuncio deve ser publicado em todos os Estados-membros e eficazmente promovido o seu conhecimento nos locais que permitam alcançar a maior base geográfica de interessados;
  6. a definição do perfil do funcionário e agente com clara correspondência aos critérios de classificação utilizados nos vários Estados-Membros.

3.       Conclusão

  • A CPLP no presente momento em que define a sua agenda para a sua terceira década, elencou a atenção à sua Organização e Funcionamento, a fim de se dotar dos meios institucionais que proporcionem a eficácia e a celeridade com vista ao desenvolvimento do considerável espaço económico e estratégico, bem como a valorização da língua em comum e a diversidade cultural dos povos que a constituem.
  • Para tal vocação contribui inequivocamente a promoção da independência do Secretariado-Executivo, Secretário-Executivo, Diretor Geral e demais funcionários e agentes.
  • A independência do Secretário-Executivo e do Diretor-Geral é condição essencial para a independência dos funcionários e demais agentes da CPLP.
  • A promoção da independência e da diversidade de culturas e técnicas da CPLP deve ter como corolário o estabelecimento no regulamento interno de normas de contratação de pessoal funcionário e demais agentes não funcionários que se dirijam à mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-membros e a reforcem.

Pelo que é proposta a seguinte redação ao considerando (57) da proposta de relatório para a “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”:

“O GT Visão recordou que as normas de procedimento do recrutamento e nomeação dos funcionários e demais agentes da Comunidade devem privilegiar a observação da mais ampla representação das nacionalidades dos Estados-membros, sem prejuízo da eficácia e da competência técnica exigida para a função.”

4.       Bibliografia

  • AGAM, Hasmy, Equitable Geographic Representation in the Twenty-first Century, The United Nations University, 1999;
  • Bryntsev, Alexander S., SAWE, Joseph A., ZAKARIA, Sibahi, Application of the Principle of Equitable Geographical Distribution of the Staff of the United Nations Secretariat (Addendum), Joint Inspection Unit – ONU, Genébra, Julho de 1982;
  • CAHIN, Gérard, La Coutume Internationale et les Organisations Internationales : l’incidence de la dimension institutionnelle sur le processus coutumier, Editions A. Pedone, Paris, 2001 ;
  • Campos, João Mota de (Coordenador), Organizações Internacionais, 4.ª Edição, Wolters Kluwer Portugal, Dezembro de 2010;
  • MARTINS, Margarida Salema D’Oliveira e MARTINS, Afonso D’Oliveira, Direito das Organizações Internacionais – I, 2.ª Edição, AFDUL, 1996;
  • NETO, Hélio Castilhos França, Os Funcionários Internacionais e o caso do Secretário-Geral das Nações Unidas: Aspectos do Direito e da Prática Internacional, FDUL, 2001;
  • PATRÍCIO, João Miguel, A CPLP Como Organização Internacional Numa Perspetiva Jurídico-Política, FDUL, 2004;
  • REDINHA, Cláudia Maduro, O Princípio da Igualdade Soberana nas Organizações Internacionais, FDUL, Setembro de 2004;
  • SOARES, José da Cruz, O Princípio da Igualdade e o Poder dos Estados, FDUL, Abril de 2000;
  • TELES, Felício, A Diplomacia Pública no Contexto das Organizações Internacionais: o caso da cplp, Coimbra Editora, Janeiro de 2015.

[1] Cfr. (3) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[2] Cfr. (4) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[3] Cfr. (5) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[4] Cfr. (10) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[5] Cfr. (56) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[6] Cfr. (57) Relatório Final “A Nova Visão Estratégica da CPLP (2016-2026)”.

[7] Cfr. art. 100.º da Carta das Nações Unidas.

[8] Cfr. Campos, João Mota de (Coordenador), Organizações Internacionais, 4.ª Edição, Wolters Kluwer Portugal, Dezembro de 2010, pags. 126 a 129.

[9] Note-se que circunstâncias várias resultam em que em geral 60% das despesas da CPLP reportam-se diretamente a encargos com o pessoal, aos quais acrescem, em geral, 35% em despesas com fornecimentos e serviços de terceiros.

[10] Instituto Nacional de Estatística, “CPLP em Números 2015”.

29/2/2016

Marco Binhã

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