Ligação à Comunidade Nacional em processos de oposição à aquisição da nacionalidade

Marco Binhã/ Abril 29, 2016/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito da Igualdade, Direito da Nacionalidade, Direito Internacional e Comunitário

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Ligação à Comunidade Nacional

em processos de oposição à aquisição nacionalidade

 

Em face do formulário oficial de pedido de nacionalidade (a declaração prevista no art. 3.º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade, pela forma aprovada nos termos do art. 32.º do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, o Modelo 3) o Requerente não deve fundamentar aquando do mesmo a sua ligação a Portugal. Devendo limitar-se à afirmação ou omissão correspondente à resposta aplicável.

Não deve ser exigido ao Requerente juntar de sua iniciativa – iniciativa que seria contrária à exigência legal de uso do formulário oficial e compreensão do pedido nos seus termos – anexos a esclarecer os elementos em que fundamenta a afirmação sobre a sua ligação efetiva a Portugal.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) reserva para Lei formal da Assembleia da República a definição dos critérios para a aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa (cfr. art. 4.º e 164.º CRP, alínea f).

A Lei da Nacionalidade (LN), no seu art. 3.º consagra o poder do estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português de adquirir por sua vontade a nacionalidade portuguesa.

Tal consagração visa, entre os seus propósitos, a defesa da unidade de nacionalidade da família, quando manifestamente querida pelos próprios interessados, a qual deriva da defesa da unidade da família e do dever do Estado de proteger a família (cfr. arts. 8.º, n.º 1, 36.º e 67.º da CRP, 16.º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 33.º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).

Tal critério de atribuição da nacionalidade em defesa da unidade de nacionalidade da família, quando manifestamente querida pelos próprios interessados, é secular no direito da nacionalidade portuguesa (cfr. art. 22.º da Constituição Portuguesa de 1822 e art. 18.º, n.º 6 do Código de Seabra de 1876).

Nos termos da LN a verificação da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional é impeditiva à aquisição da cidadania portuguesa (cfr. art. 9.º, alínea a) da Lei da Nacionalidade).

A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional é um pressuposto negativo que a verificar-se impede o acesso ao direito de nacionalidade pretendido.

Tal norma deve ser aplicada no conjunto do direito e sistema jurídico em que se insere.

Inter alia, deve ser aplicada em atenção ao princípio da igualdade, com vista à não discriminação injustificada no tratamento entre cidadãos portugueses e estrangeiros e entre estrangeiros; e em atenção ao princípio da proporcionalidade com vista à consideração e à ponderação com a respetiva eficácia dos demais valores do sistema jurídico português.

Como critérios de ligação efetiva à comunidade portuguesa na atual redação da LN além do ius soli e ius sanguinis, resultam os seguintes alternativos:

conhecimento suficiente da língua portuguesa e contactos regulares com o território português (cfr. art. 1.º, n.º 3 da LN);

apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral (cfr. art. 6.º, n.º 7 da LN);

a residência habitual em território português (cfr. art. 6.º, n.º 1, alínea b) da LN).

Critérios mais ou menos exigentes do que estes que literalmente resultam do poder legislador da Assembleia da República devem ser cotejados com a reserva de lei da matéria em causa à Assembleia da República e designadamente, devem resultar de interpretação conforme ao art. 9.º do Código Civil.

Ainda compete referir que a LN ao referir-se ao pressuposto negativo refere-se ao mesmo como ligação à comunidade nacional e não a ligação ao território nacional.

A ligação à comunidade nacional estabelece-se com as pessoas, os membros da comunidade nacional, diga-se as “pedras vivas” da nacionalidade.

Tal pode estabelecer-se fora do território nacional pelo que a diferença que a letra da lei impõe é relevante.

A ligação à comunidade nacional é o que releva.

É com certeza mais evidente, ou imediata a ligação à comunidade nacional estabelecida em território nacional, todavia, tal não exclui a ineficácia do pressuposto negativo aqui em causa ao verificar-se a ligação à comunidade nacional estabelecida fora do território nacional (cfr. Acórdãos do STJ de 05/12/2002 no Processo n.º 02B3582, de 17/2/98 no Processo n.º 772/97, de 02-03-1999, no Processo n.º 99A061).

A unidade da família, realidade que o Estado Português deve ter a tendência de proteger (cfr. art. 36.º CRP e 16.º, n.º 3 da Declaração Universal dios Direitos do Homem) justifica que o matrimónio com cidadão nacional por si só fundamenta um critério menos exigente na apreciação do requisito da ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. citado Acórdão do STJ de 5/12/2002).

A unidade da família é também protegida no âmbito da cidadania europeia (cfr. supra).

Atribuindo o direito comunitário ao cônjuge de um cidadão comunitário direitos que permitam ao cidadão comunitário o exercício dos direitos e liberdades comunitários em igualdade aos demais, ou seja, sem prejuízo normativo direto para a sua família por esta incluir cidadãos estrangeiros (cfr., entre outros, DIRECTIVA 2004/38/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 29 de Abril de 2004).

A ligação efetiva à comunidade nacional é um dado social cuja verificação deve ser ponderada em face dos critérios jurídicos definidores e dos elementos e indícios nos autos.

A ligação efetiva à comunidade nacional não se comprova com um documento, ou pelo mero valor facial de um atestado.

Todavia, a discricionariedade da atuação do Estado Português – patente por exemplo na falta de consolidação da jurisprudência sobre o assunto – deve submeter-se ao princípio da igualdade ou da proibição da discriminação injustificada, e ao princípio da proporcionalidade.

O vínculo familiar com um nacional português que justifica a atribuição do direito à aquisição da nacionalidade por vontade constitui por si só uma ligação efetiva à comunidade nacional.

Pode entender-se, e tem-se entendido que mais elementos devem concorrer para que seja considerada verificada a ligação efetiva à comunidade nacional.

O referido vínculo familiar, a concorrer com o conhecimento suficiente da língua portuguesa e contactos regulares com o território português, deve ser suficiente.

O vínculo familiar deve ter na ponderação um valor especial por força do regime jurídico de direitos fundamentais a que o mesmo é elevado (cfr. art. 18.º CRP).

Se apenas o conhecimento suficiente da língua portuguesa e contactos regulares com o território português bastam para considerar-se por lei verificada a existência de ligação efetiva, então por consequência, quando este concorre com o vinculo familiar relevante, dúvidas não deverão haver de que se encontra verificada a ligação efetiva, perante a qual o pressuposto negativo em causa não deve ter eficácia.

O princípio da igualdade obriga a tal efeito, se com o menos se encontra verificado, com o mais também se deve considerar verificado.

O princípio da igualdade fundamenta o princípio jurídico de interpretação a fortiori de ad major, ad minus.

O princípio da proporcionalidade obriga o intérprete a ponderar as finalidades dos valores que concorrem na decisão e procurar prejudicar a concretização de cada um deles o menos possível, ou prejudicar cada um deles na medida do necessário para alcançar os fins necessários.

Foi o próprio legislador que entendeu atribuir a nacionalidade aos cônjuges dos seus nacionais.

Internacionalmente o Estado Português comprometeu-se a permitir a aquisição da sua nacionalidade pelos cônjuges dos seus nacionais (cfr. art. 6.º, n.º 4, alínea a) da Convenção Europeia da Nacionalidade aprovada pela Resolução da AR 19/2000, ratificada pelo Decreto 7/2000).

A atribuição da nacionalidade portuguesa aos cônjuges de nacionais corresponde inequivocamente à vontade do Estado Português.

O legislador não instituiu o critério em causa para escrutinar a vida privada do Requerente da nacionalidade com causa no casamento.

O legislador instituiu o critério em causa para as situações em que apesar do, por exemplo, o casamento formal se encontrar verificado, o mesmo não exista substancialmente, ou o mesmo vise apenas o pedido da nacionalidade e não as finalidades que se exigem dum casamento.

O legislador instituiu o critério em causa para poder obstar às situações excecionais em que o Requerente pretende obter a nacionalidade com recurso a procedimentos legais todavia com falta da substância mínima exigida.

Se o critério em causa tivesse sido erigido a critério geral para atribuição da nacionalidade, não estaria na posição sistemática em que se encontra no diploma da LN, com a epígrafe e a função que desencadeia.

Como excecional que é, como excecional deve ser entendido e aplicado pelo intérprete da lei.

É contrário ao princípio da igualdade, aplicar tal critério de forma exigente às situações ocasionais em que é aplicado, e que se verificam ser situações normais do quotidiano que o legislador ao instituir o direito em causa de aquisição da nacionalidade ponderou ao exprimir o seu pensamento na letra da lei.

Pois os “não sorteados” com o processo de oposição adquirem a nacionalidade em termos que os “sorteados” em situações idênticas as não podem adquirir por falta da verificação da ligação efetiva à comunidade portuguesa.

A ponderação de determinados elementos constituírem ou não ligação efetiva à comunidade nacional, significa (sic.) a ausência da inexistência.

Só por absurdo é que perante qualquer coisa ponderaríamos se tal corresponde a nada.

A inexistência é absoluta.

A inexistência relativa, ou seja, perante qualquer coisa, argumentarmos que tal só tem relevância para certas finalidades, mantendo-se a inexistência para outras, é muito discutível.

Na senda de que a função de tal critério só deve proceder nas situações excecionais de tentativa de fraude e outras de falta de substância do exercício do direito que os profissionais forenses conhecem no chamado mundo do abuso do direito.

Caso contrário, resulta que o Estado Português por um lado por ato de Estado interno e internacional compromete-se com determinada legislação, a uma clara e determinada atribuição de direitos, e por outro, com recurso a expedientes legais retira o essencial de tal legislação e atribuição de direitos aos cidadãos diretamente visados.

Sendo que em causa está um direito que se integra nos direitos fundamentais de personalidade, o direito a manter a unidade familiar, além do direito à nacionalidade.

Não houvessem prejuízos à unidade familiar, nomeadamente, ao direito/dever dos pais acompanharem os seus filhos, e os seus cônjuges, no quotidiano, livremente, em igualdade de procedimentos e de celeridade, os Estados não previam, como preveem na sua generalidade, o princípio da unidade nacional da família quando querida pelos próprios.

No normal das situações familiares se um dos membros requer a nacionalidade do outro é porque estes vêm nessa querida nacionalidade utilidade e consequentemente utilidade para o vínculo familiar.

Um Requerente que casou com um nacional português e que por causa deste e da respetiva família, teve acesso à comunidade portuguesa e interessou-se por esta, ao ponto de encontrar utilidade em ter a nacionalidade portuguesa, tal pode resultar do fato de quando o cônjuge nacional português (ou os seus filhos também portugueses) estiver no país da sua nacionalidade este as possa acompanhar mantendo o seu papel na família em nada alterado pelo fato de ser estrangeiro nesse território nacional do outro cônjuge.

É este o objetivo e a finalidade patentes na LN.

É a situação normal de muitas famílias a quem se aplica tal norma de aquisição da nacionalidade com fundamento em vínculo familiar após declaração.

A aplicação às situações normais de um expediente processual que a lei instituiu para situações excecionais deve ter sempre o cuidado jurídico de verificar se cumpre o princípio da igualdade e da proporcionalidade.

O efeito pretendido de atribuição da nacionalidade que o legislador imprimiu recentemente à LN visou proporcionar por via do acesso ao estatuto da cidadania a plena integração na sociedade portuguesa a pessoas com forte ligação à comunidade nacional, através da valorização do critério do nascimento em território português na atribuição e aquisição da nacionalidade originária.

O ius soli foi reforçado com as recentes alterações da lei da nacionalidade com efeitos sociais importantes de inclusão por exemplo para a primeira e segunda geração de imigrantes, quer dizer os filhos mas, principalmente, os netos de imigrantes nascidos em Portugal.

Os propósitos que designadamente, na atribuição da nacionalidade com fundamento em vínculo familiar, também influenciaram as recentes alterações à LN tendo vindo reforçar o valor do vínculo familiar na atribuição da nacionalidade, com a introdução do art. 3.º, n.º 3 e estendendo tal direito às uniões de facto, sem qualquer consideração de ius soli ou ius sanguinis para o efeito.

Regra geral, ao que invoca um direito compete fazer prova dos respetivos factos constitutivos (cfr. art. 342.º, n.º 1 CC).

Esclarece o direito geral que: em caso de dúvida dos factos carreados serem suficientes para constituírem o direito invocado, a lei obriga a que se resolvido a favor do direito (cfr. art. 342.º, n.º 3 CC).

Entendendo a inexistência de ligação efetiva como um pressuposto negativo cuja verificação impede a constituição do direito, compete a sua prova a quem a invoca para impedir a normal atribuição do direito (cfr. art. 342.º, n.º 2 CC, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/6/2014, no Processo n.º 0103/14; de 28/05/2015, no Processo n.º 01548/14; Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 6/3/2014, no Processo n.º 10893/14; de 10/7/2014, no Processo n.º 11308/14; e de 25/6/2014, no Processo n.º 12244/15).

A jurisprudência até recentemente tinha-se dividido muito entre a aplicação das regras supra enunciadas e da regra especial aplicável às ações de simples apreciação, entendendo o processo de oposição como ação de simples apreciação (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/10/1999, no Processo n.º 00A208; de 30/10/2003, no Processo n.º 03B3151; de 7/6/2005, no Processo n.º 05A1550; de 6/7/2006, no Processo n.º 06B1740; do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/6/2012, no Processo n.º 05214/09.

O Acórdão de 25/6/2015 do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 0618/15 é inequívoco no sentido de que para a procedência da ação compete ao Autor provar que o requerente da nacionalidade não tem ligação efetiva à comunidade portuguesa, tal tem sido firmado com fundamentação uniforme e por unanimidade naquele Tribunal Supremo (cfr. acs. de 19/6/2014 – Proc. 103/14, 28/05/2015 – Proc. 1548/14 e de 18/6/2015 – Proc. 1053/14).

À letra da lei, o mínimo que o Requerente comprove no que respeita à sua ligação efetiva à comunidade nacional infirma a procedência da ação que tem como fundamento a inexistência de tal ligação.

Compete ao Autor provar que no caso em concreto se verifica por parte do Requerente uma situação de abuso do direito, por falta de ligação efetiva à comunidade nacional.

Ao que o Requerente poderá fazer contraprova.

A mera alegação do Autor a obrigar o Requerente “sorteado” a expor a sua vida privada familiar, social e profissional não é o que a lei pretende, é por outro lado o que a lei procura evitar em ações abusivas propostas sem fundamento a fim de proteger a privacidade, direito fundamental, protegido pela CRP, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e demais ius cogens, pertencente aos visados em ações judiciais.

O mínimo de justiça e de seriedade obriga o Autor a justificar logo à partida os motivos que o levaram a desconfiar que uma situação familiar comum pudesse constituir uma situação fraudulenta ou de abuso do direito.

Alegados e indiciados os quais de forma a que justificadamente a proteção da privacidade do cidadão visado se justifica ser afastada para que este faça a contraprova que entende dever ser carreada para o processo.

É o mínimo, num Estado de Direito, como é Portugal, que afirma respeitar em igualdade de direitos fundamentais, comuns e internacionalmente aceites, os estrangeiros.

A aplicação prática do regime de oposição à aquisição da nacionalidade é mais um exemplo da utilidade da nacionalidade para quem é estrangeiro se precisar vir para Portugal, a igualdade de direitos entre estrangeiros e nacionais é muito relativa (não obstante também a privacidade do cônjuge cidadão nacional ter de ser reflexamente exposta), e à cautela, para manter a unidade familiar grosso modo, com o devido respeito, é a própria Lei que oferece a nacionalidade a determinadas categorias de familiares de nacionais caso a queiram aceitar.

Tal aplicação prática prejudica por si só a igualdade dos matrimónios entre nacional e estrangeiro, o que é exatamente o contrário dum dos inequívocos propósitos que a LN pretende alcançar com o seu art. 3.º na redação desde a Lei Orgânica n.º 2/2006.