Pensão dos ex-funcionários ao serviço de Portugal no ex-ultramar, ao abrigo do Decreto-Lei 362/78
Marco Binhã/ Outubro 10, 2021/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito da Igualdade, Direito da Nacionalidade, Direito da Propriedade, Direito do Processo, Direito dos Créditos, Dívidas, Indemnizações e insolvências, Direito Internacional e Comunitário
Transcrevendo do Acórdão de 30/4/1997, do Tribunal Constitucional: «Em direitas contas, o que o legislador fez foi abrir aos servidores da Administração Pública dos ex-territórios portugueses do Ultramar que reuniam as condições para a aposentação, mas que, por força das circunstâncias em que ocorreu o processo de descolonização, se viram privados do direito à respetiva pensão e forçados a sair das suas terras e vir para Portugal, a possibilidade de a receber.
E com isso, o que procurou foi colocá-los em situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou desse direito.»
Tal não significou, no entanto, o estabelecimento da nacionalidade portuguesa, ou da residência em território português, ou da idade geral exigida, como requisitos da atribuição da devida pensão.
Refere-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17/2/2005: «o escopo deste diploma, DL 362/78, visa precisamente abarcar os casos não abrangidos pelos processos normais de aposentação previsto no respetivo Estatuto da Aposentação, aqueles que ficariam fora da sua previsão, mas cuja aposentação tem fundamento nas excecionais razões políticas, de equidade e de justiça social que o processo da descolonização despoletou».
Resulta de vária jurisprudência – inter alia acórdãos do TCAS de 15/1/1998, 4/4/2002, 1/6/2004, 17/6/2004, 28/10/2004, 06/12/2012, o referido de 17/2/2005 do TCAN – que o Decreto-Lei nº 362/78, de 28/11, apenas estabelece como requisitos para o respetivo direito à aposentação:
- Posse da qualidade de agentes ou funcionários da Administração Pública das ex-províncias portuguesas ultramarinas;
- A prestação de pelo menos quinze anos (posteriormente reduzidos a cinco, pelo Decreto-Lei nº 23/80, de 29 de Fevereiro);
- A realização de descontos para o efeito de compensação da aposentação.
Vejam-se ainda os acórdãos do TCA, entre outros, de 02.03.2000, Proc. nº 2706/99 e 3280/99; e do STA, acórdãos 20.06.89, in BMJ 388-309; de 12.12.96, Rec. 40732; de 22.04.97, Rec. 41378; de 14.05.97, Rec. 25618; de 26.06.97, Rec. 41964 e de 21.10.97, Rec. 41509.
Refere-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17/6/2004: «Com efeito, quando a lei especial consagrou um regime excecional abstraiu das regras próprias do regime normal. Por isso é que para os casos previstos no nº 1 do art. 1º do DL. 362/78, apenas dois passaram a ser os requisitos para a aposentação, independentemente da reunião de quaisquer outros condicionamentos de que o Estado Português faça depender a atribuição de pensões de aposentação aos seus funcionários.
Temos assim que não é exigência para a aposentação de interessados nestas condições a prova de 60 anos de idade e 36 de serviço, ou 5 de serviço com o limite de idade legalmente fixado para o exercício de funções.” – Ac. TCA de 04.04.2002, Proc. 1921/98, (e no mesmo sentido Ac. TCA de 26.04.01, Proc. 5278/01).
E assim, tem sido entendido, de forma uniforme e reiterada pela jurisprudência das várias instâncias.
É pois, este, um regime excecional o da aposentação dos ex-funcionários das antigas províncias ultramarinas.
Por estes requerentes reunirem de facto as condições para a aposentação e estarem impossibilitados de ingressarem no quadro geral de adidos – visto terem perdido a nacionalidade portuguesa com o processo da descolonização – a sua situação teve especial tratamento jurídico, de exceção, a merecer um tratamento diferenciado o qual procurou colocá-los em situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou do direito à aposentação.
Daí que, com apoio no conteúdo do preâmbulo do diploma mencionado, se tenha sempre considerado como únicos os três requisitos supra referidos para a concessão de aposentação a tais funcionários.
Designadamente:
- Possuírem a qualidade de agentes ou funcionários da Administração Pública das ex-províncias portuguesas ultramarinas;
- Terem prestado pelo menos quinze anos (posteriormente reduzidos a cinco, pelo DL nº 23/80, de 29 de Fevereiro);
- Terem realizado descontos para o efeito de compensação da aposentação.
Situações há em que a entidade competente para o o procedimento e pagamento destas pensões indefere com fundamento no requisito de 60 anos de idade, inusitadamente e contra a lei e o Direito, com o fim de esvaziar completamente o conteúdo do direito fundamental do requerente à sua segurança económica na velhice.
Indeferimento esse que viola absolutamente o que havia sido prometido pelo Estado Português ao Autor, e portanto, as suas legítimas expetativas à data em que se sujeitou aos descontos obrigatórios e à data em que apresentou o competente requerimento para o efeito da sua compensação por aposentação.
Indeferimento esse que reduz a nada e que elimina de forma absoluta e completa, o direito fundamental do Autor à compensação por aposentação nos termos que legalmente lhe haviam sido atribuídos pelo Decreto-Lei 362/78 e respetivas revisões.
Indeferimento esse com fundamento na falta de verificação de um requisito que – por lei expressa e por vária jurisprudência anterior clara e perfeitamente fundamentada, produzida em arestos em que esse entidade competente é parte – não era manifestamente aplicável!
Indeferimento esse com a aplicação de um fundamento por demais violador do princípio da igualdade em face da firme jurisprudência administrativa anterior sobre a questão em causa que a mesma entidade teve de cumprir.
Indeferimento esse com a aplicação de um fundamento por demais violador do princípio da prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas.
Tal indeferimento deve ter a devida consequência de nulidade prevista para qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial.
Tal indeferimento deve ter ainda a devida consequência de fazer incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos.
Não obstante a Lei, o Direito e o Tribunal, a a entidade competente ilegalmente furta-se ao seu dever de atribuir a devida compensação de aposentação aos Requerentes, em prejuízo do seu direito fundamental à segurança económica que lhe era devida, pelos mais de cinco anos de serviço nas ex-colónias ao Estado Português e correspondentes descontos a favor do Estado Português.
A entidade competente ao manter, reiterada e insistentemente, um entendimento que não tem na letra, nem no espírito da lei o mínimo de acolhimento, viola direitos dos cidadãos, legal e constitucionalmente consagrados, designadamente do Autor, nomeadamente o direito à segurança social na velhice com contagem de todo o tempo de trabalho prestado (art. 63.º, n.º 1 e 5 da C.R.P.).
Está igualmente a violar o direito à propriedade privada tal qual definida no art. 1.º do 1.º Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo um direito que se traduz em coisa que deve ser entregue ao Requerente e que a entidade competente que representa o Estado recusa-se a fazê-lo.
Está igualmente a violar o princípio da legalidade a que deve obediência (art. 266.º, n.º 2 da C.R.P. e art. 3.º do C.P.A.), precisamente na sua forma mais grave, ou seja, com preterição dos direitos fundamentais dos cidadãos e da própria Lei Fundamental.
Com este comportamento, a entidade competente está a atuar injustamente ao exercer mal os seus poderes e a impor aos particulares um sacrifício infundado com a recusa da pensão a que têm direito, sabendo perfeitamente que, face à lei e à jurisprudência vigentes, não lhe assiste qualquer razão (art. 266.º, n.º 2 da C.R.P. e art. 6.º e 6.º-A do C.P.A.).
As decisões da entidade de indeferimento nesses termos no procedimento de aposentação, consubstanciam manifesta má fé e violações do dever de legalidade e justiça pelas quais tem privado os beneficiários dessa pensão do seu direito fundamental constitucional à segurança social na velhice, art. 63.º, n.º 1 e 3 da C.R.P.
Assim como tem privado os mesmos beneficiários, como pessoa idosa, dos respetivos direitos à segurança económica, art. 72.º, n.º1 da C.R.P., direito esse que segundo o Acórdão n.º 576/96 do Tribunal Constitucional de 16/4, tem por núcleo essencial o pagamento de pensões.
A entidade competente, com estas decisões, tem prejudicado os beneficiários, de forma ilegal, o seu direito fundamental ao nível de vida suficiente para lhe assegurar, saúde e bem-estar, na medida da segurança económica na velhice que o Decreto-Lei 362/78 lhe atribuiu, assim violando o art. 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A entidade tendo sido condenada por sentenças judiciais administrativas várias supracitadas a não aplicar a idade como requisito para a atribuição da compensação por aposentação: viola o princípio da igualdade de tratamento dos cidadãos, ao voltar a aplicá-la.
A entidade com estas decisões aqui em apreço viola manifestamente e sem justificação a garantia constitucional da igualdade dos administrados perante a Administração Pública.
Há assim, de forma inequívoca e manifesta, por parte da entidade, nestas decisões aqui em causa cuja nulidade deve ser declarada, violação da lei por errada interpretação do n.º 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28/11 e das demais normas e princípios aplicáveis.
Por conseguinte, tais atos assim viciados que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental devem ser declarados nulo , conforme decorre da lei e do Direito, nos termos do art. 133.º, n.º 2, alínea d) do C.P.A.
O mesmo deve se verificar aos subsequentes atos da entidade que mantêm a concretização da situação do beneficiários nos mesmos termos.
Além de consubstanciarem violações da entidade ao dever de prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Com a manutenção destas decisões aqui em crise na ordem jurídica, a entidade tem mantido uma recusa ilegal em atribuir ao Autor o devido cumprimento do seu direito fundamental à devida compensação por aposentação.
Das consequências da Nulidade dos atos em crise
Na esteira de AMARAL, Diogo Freitas do, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pág. 41.
Para apagar inteiramente os vestígios da ilegalidade cometida, não pode tomar-se como critério a ideia de restabelecer a situação anterior à prática do ato ilegal, antes se faz mister aplicar o critério a que se chama de reconstituição da situação atual hipotética.
Importa, na verdade, considerar o período de tempo que medeou (sic) entre a prática do ato ilegal e o momento em que se reintegra a ordem jurídica, e reconstituir, na medida do possível, a situação que neste último momento existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos nesse período se tivesse apoiado sobre uma base legal.
Só a reconstituição da situação atual hipotética permite reintegrar a ordem jurídica violada, obrigando a realizar tudo o que entretanto se teria realizado se não fosse o ato ilegal.
Pelo que se deve concluir que recai sobre a entidade a responsabilidade pelo pagamento ao beneficário das prestações que lhe deveriam ter sido pagas desde o momento da entrega do competente requerimento até à presente data.
Sendo a entidade responsável pela ilegalidade praticada e dela tendo resultado prejuízos, ficam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Tal conduz ao inequívoco dever de indemnizar para reparação dos prejuízos resultantes dessa mesma ilegalidade.
O correspondente ao pagamento de uma indemnização ao beneficiário pela privação daquelas quantias desde o dia em que lhe eram devidas até ao dia em que lhe sejam pagas.
Tal indemnização corresponde, nos termos do disposto no artigo 806.º do Código Civil ao pagamento de juros de mora, à taxa em vigor às respetivas datas de vencimento.
Com efeito, só assim se podem considerar eliminados todos os efeitos decorrentes da pratica do ato nulo.
Veja-se o Prof. Diogo Freitas do Amaral in “Direito Administrativo”, Vol. IV, 1988, Lisboa, pag.237, e em “A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2.a edição, 1997, Coimbra, 45 e 54.
Assim como é este o entendimento que tem sido defendido, de forma unânime, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, atente-se, nomeadamente, no Acórdão de 14.03.96, proferido no Proc. n.º 13744C, publicado no apêndice ao Diário da Republica de 31.08.98, pág. 1829.
Tal indemnização é absolutamente essencial para a reconstituição da situação atual hipotética.