Direito sobre bens culturais – Perspectiva do interesse privado

Marco Binhã/ Outubro 7, 2010/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Cultura, Religião e Desporto, Direito da Propriedade, Direito Internacional e Comunitário

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Direito sobre bens culturais – Perspectiva do interesse privado

1.                                 Conceito de bem cultural

  • A Comissão Europeia, em 2007, ao iniciar a introdução da agenda para a cultura num mundo globalizado, afirmava: «A cultura encontra-se no cerne do desenvolvimento humano e da civilização. Cultura é aquilo que leva as pessoas a ter esperança e a sonhar, estimulando-lhes os sentidos e facultando-lhes novas maneiras de encarar a realidade. É aquilo que congrega as pessoas, suscitando o diálogo e despertando paixões, de uma maneira que une em vez de dividir. A cultura deveria ser vista como um conjunto de traços distintivos espirituais e materiais que caracterizam uma sociedade e um grupo social. Abarca a literatura e as artes, assim como modos de vida, sistemas de valores, tradições e crenças».[1]

  • Não é fácil de delimitar o âmbito da cultura, o que não torna simples a definição jurídica de bem cultural que pretenda salvaguardar uma realidade extensamente dinâmica e de difícil categorização.[2] Em parte porque a definição de bem cultural, ou da adjectivação de «cultural», sofre da dificuldade de se fazer compreender num conceito a infinitude do que pode ser considerado «cultura», com os seus contornos ainda não desenhados, não se limita ao que é belo, à estética, mas com certeza abrange esta com todas as flutuações e circunstâncias que são próprias à estética. A acrescentar, implica questões jurídicas pouco claras, como a limitação a bens que são conformes a critérios alguns destes inefáveis, a pretensões das comunidades e a sentidos que se descubra nestas, ou a critérios afirmados à medida do poder do momento e dos interesses que este entenda dever-querer valorizar.[3]

  • Por vezes, o regime refere-se a “bem cultural” partindo do pressuposto de que se refere à criação de um autor, criação de um ser humano e noutras, longe desse pressuposto, visa abranger uma realidade independente do ser humano; a qual, inclusivamente, se pode pretender, para mantê-la, que seja preservada da acção do próprio ser humano. O Direito, produto humano, dificilmente poderia referir-se a fenómenos que fossem alheios a qualquer possibilidade da actividade humana. Pode com facilidade reconhecer-se que é preciso um ser humano para reconhecer um bem cultural, ainda que a realidade em causa não tenha sofrido qualquer efeito da actividade humana, nem possa vir a ter[4].

    • Como manifestação humana que é o Direito, dificilmente este poderia abranger fenómenos maiores ou menores do que os acessíveis à condição humana, a condição de se ser pessoa.

Com o regime dos bens culturais pretende-se o respeito pela condição humana com a dignidade que se entende ser-lhe devida, a qual abrange a transferência de um sentido de pessoa-individual para um sentido comunitário ou colectivo de pessoas e a possibilidade de esta, a comunidade ou a colectividade, com o que tem de seu, desenvolver-se para o futuro, sobreviver ao longo do tempo, conservando a sua identidade, quer dizer conservando-se, pela evolução, ou pelo acrescento criterioso.

  • De facto, no âmbito jurídico, o bem cultural é essencialmente uma realidade de povos ou de nações, ou, também dito, de comunidades patrimoniais e não apenas uma realidade de uma pessoa-indivíduo, sendo da natureza do regime jurídico vigente quanto aos bens culturais a prevalência de interesses colectivos em detrimento de interesses individualistas, pelo que a procura da definição eficiente de bem cultural deve concentrar-se, com certeza, num sentido mais relacional – no sentido de consensualizada ou convencionalizada – do que num sentido conceptual.

  • Apesar da dificuldade de uma definição material líquida de bem cultural, o Direito vigente não se limita à aplicação ao que é formalmente considerado bem cultural – e não o poderia fazer. Dado que o direito sobre o património cultural é um dos exemplos perfeitos para a evidência de que o Direito não encontra em si, endogenamente, a fonte da sua manutenção e desenvolvimento, apesar das afirmações, expressas ou veladas, de tendências autopoiéticas na ciência do Direito.

O Direito não existe para si próprio, nem é um organismo com vida própria. Em especial, o direito sobre o património cultural o qual depende de bens que se considerem, política ou socialmente, culturais. Não se verificam critérios jurídicos, em qualquer das ordens jurídicas conhecidas, que possam ser usados por si só para o reconhecimento de um bem como cultural sem que tais critérios venham a verificar-se, demasiado abrangentes ou demasiado estreitos.

  • Há todavia, ramos do direito onde a exigência de certeza da norma jurídica num Estado de Direito deve prevalecer, como é o caso, por exemplo, do direito penal e do direito contraordenacional, mas, mesmo nestes âmbitos, a definição pouco precisa de bem cultural pode forçar a desconsideração do dolo do agente perante a qualidade de bem cultural do valor protegido que prejudicou. Outro exemplo, será no âmbito aduaneiro e da limitação da exportação para fora da Comunidade Europeia, onde a definição de bem cultural depende de critérios, pelo menos aparentemente, formais, como a sua integração em categoria definida em função da utilidade normal do bem e da sua antiguidade.

  • Num conceito formal ou restrito de bem cultural, devem considerar-se os bens inscritos como tal em inventário geral com a finalidade pública de reconhecimento de bens culturais e os bens expressamente qualificados como tais por acto administrativo ou regulamento administrativo com eficácia erga omnes, quero dizer, eficácia jurídica em função do bem onde quer que o bem esteja e independentemente do seu titular.[5]

  • A terminologia jurídica de património refere-se, normalmente, ao conjunto de bens susceptíveis de avaliação pecuniária de uma determinada esfera jurídica. Nesse sentido, grande parte dos bens culturais, por serem insusceptíveis de apropriação privada e por essa razão, ou por outras, serem insusceptíveis de avaliação pecuniária, não estariam neste âmbito. [6]

  • Os direitos e deveres relativos aos bens culturais podem não ter subjacente o interesse de uma pessoa particular, mas têm o interesse público a dar-lhes existência e a dignidade exigida para que sejam objecto ao qual se justifique determinar efectivos direitos e deveres jurídicos.[7]

  • Na ordem jurídica portuguesa – dado que a aplicação a um bem do regime de bem cultural implica limitações, sujeições, proibições ao direito à propriedade privada, direito estes que é garantido a todos segundo o art. 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, CRP, – o conceito material ou aberto de bem cultural deverá limitar-se, nos termos do art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ao respeito da reserva de lei e ao necessário para salvaguardar outros direitos ou valores constitucionais e, ainda, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, as restrições legais previstas devem revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir o sentido e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Isto entendendo-se o direito à propriedade privada como um direito análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias previstos no Título II da CRP; vejam-se a este respeito os arts. 16.º a 18.º da CRP.

    • A Convenção-Quadro do Conselho da Europa relativa ao valor do património cultural para a sociedade, assinada em Faro, a 27 de Outubro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2008 refere no seu art. 2.º, alínea a), que o património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução. O que inclui todos os aspectos do meio ambiente resultantes da interacção entre as pessoas e os lugares através do tempo.

Nas alíneas do artigo seguinte, completa a definição eficiente afirmando que as Partes acordam em promover um reconhecimento do património comum da Europa, que abrange: a) todas as formas de património cultural na Europa que no seu conjunto constituam uma fonte partilhada de memória, compreensão, identidade, coesão e criatividade; e b) os ideais, princípios e valores resultantes da experiência adquirida com progressos e conflitos passados que favoreçam o desenvolvimento de uma sociedade pacífica e estável, baseada no respeito dos direitos do homem, da democracia e do Estado de Direito.

  • A Convenção para a salvaguarda do Património Cultural Imaterial, adoptada na 32.ª Sessão da Conferência Geral da Unesco, em Paris, a 17 de Outubro de 2003, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 12/2008, refere no seu artigo 2.º, alínea 1, que se entende, para os seus efeitos, como património cultural imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhe estão associados – que as comunidades, os grupos e sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural. Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Restringindo-se a convenção apenas ao património cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais existentes em matéria de direitos do homem, bem como com as exigências de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e de um desenvolvimento sustentável. Património cultural imaterial que se manifesta, nomeadamente, nas tradições e expressões orais, incluindo a língua, como vector do património cultural imaterial; nas artes de espectáculo; nas práticas sociais, rituais e eventos festivos; conhecimentos e práticas relacionadas com a natureza e o universo; aptidões ligadas ao artesanato tradicional.

  • A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Nacional, adoptada na 17.ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em Paris, a 23 de Novembro de 1972, aberta para assinatura, aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, refere no seu art. 12.º que, um bem do património cultural e natural caso não esteja inscrito nas listas previstas pela Convenção, não deixa por isso de dever ser reconhecido o seu valor universal excepcional.

  • A Convenção para a Protecção dos Bens Culturais em caso de Conflito Armado, adoptada em Haia, a 14 de Maio de 1954, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/2000, de 30 de Março, refere-se a bens culturais como aqueles que apresentam grande interesse ou importância para o património cultural dos povos.

  • A Convenção Internacional do Unidroit sobre Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente Exportados, assinada em Roma, a 24 de Julho de 1995, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/2000, de 4 de Abril, refere no seu art. 2.º que são bens culturais os que por motivos religiosos ou profanos, possuem importante valor arqueológico, pré-histórico, histórico, literário, artístico ou cientifico e que integram alguma das categorias de coisas previstas no anexo.

  • O Regulamento (CE) n.º 116/2009 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008, não tem por objecto a definição dos bens reconhecidos como “património nacional” na acepção do art. 30.º do Tratado da Comunidade Europeia, mas unicamente definir as categorias de bens susceptíveis de ser reconhecidos como tal para o âmbito dos seus efeitos, assim, limitando a sua aplicação à exportação de bens culturais os quais entende-se corresponderem a coisas abrangidas pela lista que lhe é anexa; para este efeito, alguns bens, reconhecidamente culturais no âmbito estadual, só são abrangidos pelo Regulamento se o valor do bem corresponder ou exceder determinados limiares previstos e o bem for de antiguidade suficiente.

  • A Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, esclarece no seu art. 1.º, n.º 1, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e de valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura. Define-se no n.º 1 do artigo seguinte que integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura e portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização; completando-se nos n.ºs 3 e n.º 4 que o interesse cultural relevante dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade e que são considerados também património cultural os bens imateriais que constituem parcelas estruturantes de identidade e de memória colectivas portuguesas.

O n.º 6 do art. 2.º estende a qualificação, na ordem jurídica portuguesa, de direito cultural aos respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa, os quais podem ser chamados de direitos culturais instrumentais, sendo estes caracterizados por uma relação de essencialidade para a realização relevante de valores ou elementos do património cultural a se.

No n.º 2 do artigo 2.º esclarece-se que a língua portuguesa é elemento essencial do património cultural português e no n.º 8 afirma-se a cultura tradicional portuguesa como ocupando uma posição relevante na política pública de protecção e valorização do património cultural. No n.º 5 do mesmo artigo, dispõe a mesma Lei que ainda podem ser considerados património cultural outros bens que como tal sejam considerados por força de Direito Internacional Público que vincule a República Portuguesa, sendo como tal considerados, seguramente, para os efeitos de aplicação das normas internacionais a que dizem respeito.

No art. 14.º, n.º 1, estabelece-se que consideram-se bem culturais, de harmonia com o disposto anteriormente, os bens móveis e imóveis que representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura, definindo nos artigos seguintes, o regime específico aos bens culturais imóveis e móveis, distinguindo, depois, dentre destes diversas categorias.

Ainda dispõe no seu artigo 55.º, n.º 1, no desenvolvimento do art. 14.º, n.º 1, critérios para a determinação da importância significativa e consequente pertença do bem a um determinado Estado, considerando bem cultural móvel integrante do património cultural aquele que: constitua obra de autor português ou seja atribuído a autor português; ou haja sido criado ou produzido em território nacional; ou provenha do desmembramento de bens imóveis situados em território nacional; tenha sido encomendado ou distribuído por entidade nacional ou haja sido propriedade sua; represente ou testemunhe vivências ou factos nacionais relevantes a que tenham sido agregados elementos naturais da realidade cultural portuguesa; se encontre em território português há mais de 50 anos[8]; ou que, por motivo diferente dos referidos, apresente especial interesse para o estudo e compreensão da civilização e cultura portuguesas; ou que, nos termos do n.º 2 deste artigo, se encontre em território português e seja conforme à definição do art. 14.º, n.º 1 em harmonia com o disposto no artigo 2.º da Lei.[9]

Os art.s 91.º e ss. esclarecem que integram o património cultural as realidades que tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memórias colectivas.

O Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de Junho, veio depois adaptar o regime específico da protecção e valorização dos bens culturais imateriais em desenvolvimento da Lei n.º 107/2001 e no seguimento dos compromissos internacionais, nomeadamente, a Convenção de Paris.

No desenvolvimento da Lei n.º 107/2001, foi publicado o Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro o qual veio definir o regime e efeitos do procedimento de classificação de bens culturais imóveis.

Ao contrário da Lei n.º 107/2001 que é Lei de Bases do Património Cultural o Decreto-Lei n.º 139/2009, no seu art. 1.º, n.º 3, expressa a limitação do âmbito do direito cultural imaterial àquele que se mostre compatível com as normas internacionais de direitos humanos e com as exigências de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos. [10]


2.                                Categorias de bens culturais

Em função das distinções que no âmbito do direito sobre bens culturais um bem pode ser sujeito, por força da autoridade pública ou privada, indicam-se em seguida algumas classificações que podem ser úteis para a compreensão e definição do regime jurídico aplicável à situação. A realidade complexa do objecto sobre o qual pode incidir o direito sobre o património cultural não facilita a categorização. No entanto, no que respeita ao Direito o qual tem, como um dos seus princípios gerais, a igualdade, além de ser útil é indispensável que, dentro de determinado contexto, sejam identificados aspectos comuns dos quais devem resultar consequências jurídicas comuns.

  • Categorias de bens culturais em função da intensidade de protecção pública:

  • Bens culturais não classificados e não inventariados;[11]

  • Bens culturais não classificados e inventariados;

  • Bens culturais classificados.

    • Categorias de bens culturais quanto à sua natureza corpórea:

  • Bens culturais corpóreos, abrange os que têm natureza física e que são assim objecto de serem percebidos pelos sentidos;

    • Bens corpóreos materiais, os que têm dimensão, volume e massa;

    • Bens corpóreos imateriais, os que não têm matéria, não obstante terem existência física, por exemplo, um som;

  • Bens culturais incopóreos, abrange os que não são objecto dos sentidos de per si , sendo apenas percebidos necessariamente com recurso ao entendimento ou à razão.[12]

    • Categorias de bens culturais quanto à sua substituição:

  • Fungíveis, aqueles cuja plena utilidade de bem cultural pode ser substituída, por exemplo uma de muitas cópias conhecidas de um filme;

  • Infungíveis, aqueles cuja plena utilidade de bem cultural não pode ser substituída, por exemplo, uma pintura;

    • Categorias de bens culturais quanto ao grau de mobilidade geográfica:[13]

  • Bens culturais móveis, abrangendo os que, nos termos jurídicos gerais, nomeadamente, art. 205.º, n.º 1 do Código Civil sejam coisas móveis.

  • Bens culturais imóveis, abrangendo os que, nos termos jurídicos gerais, nomeadamente, art. 204.º, n.º 1 do Código Civil sejam coisas imóveis:[14]

    • Monumentos;

    • Conjuntos;

    • Sítios ou locais de interesse.

    • Categorias de bens culturais quanto à sua comerciabilidade:

  • Bens culturais dentro do comércio, considerando aqui todos os que sejam coisas que possam ser objecto de direitos privados: cfr. art. 202.º, n.º 2, do Código Civil, a contrario;

  • Bens culturais dentro do comércio, considerando aqui todos os que sejam coisas que não possam ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual: cfr. art. 202.º, n.º 2 do Código Civil.

    • Categorias de bens culturais quanto à natureza do respectivo titular, distinção que é justificada pela verificação de normas jurídicas determinadas em função das diferenças do tipo de titular:

  • Bens culturais na titularidade de entidades privadas;

    • Instituições de interesse público;

    • Religiosas;[15]

    • Comunitárias ou tribais;

    • Particulares.

  • Bens culturais na titularidade de entidades públicas.

  • Categorias de bens culturais quanto à sua ligação à comunidade:[16]

  • Bens culturais sacros[17];

  • Bens culturais de importância para uma comunidade autóctone ou tribal;

  • Bens culturais profanos.

  • Categorias de bens culturais em função da sua classificação pública:

  • Bem cultural Universal de Valor Excepcional;

  • Bem cultural do Património Mundial;

  • Bem cultural do Património Mundial em Perigo;

  • Bem cultural de Interesse Nacional; [18]

  • Bem cultural de Interesse Público;

  • Bem cultural de Interesse Regional;

  • Bem cultural de Interesse Municipal.[19]

  • Categorias de bens culturais quanto à sua natureza:

  • Bem cultural a se ou por si próprio, considerando aqueles bens que pelas suas características próprias sejam considerados bens culturais;

  • Bem cultural instrumental, considerando aqueles bens que são protegidos pelo direito sobre o património cultural na medida em que servem para interpretar, perceber, contextualizar, valorizar, ou mesmo apenas completar o pleno valor ou aspectos ou manifestações que se consideram relevantes de um bem cultural a se.[20]

  • Categorias de bens culturais quanto à sua origem:

  • Bem cultural de autor, considerando os que sejam bens culturais distinguidos como tal por caracterizarem-se como resultado determinado pela actividade humana;

  • Bem cultural natural, considerando os que sejam bens culturais distinguidos como tal por caracterizarem-se como resultado determinado por factores alheios à actividade humana.

  • Categorias de bens culturais quanto ao seu transporte:[21]

  • Bem cultural transportável, considerando os que podem ser transportados, com ou sem restrições ou condições especiais geográficas ou de transporte, sem prejudicar ou extinguir as características que fazem do mesmo um bem cultural e assim manter-se na sua essência por si só, ou em conjunto com os demais bens culturais lhe instrumentais, um bem cultural;

  • Bem cultural intransportável, considerando aqueles que não podem ser transportados senão com perda do seu valor enquanto bem cultural.

  • Categorias de bens culturais quanto à sua exposição:

  • Bem cultural exposto, considerando como tal o bem existente como tal para a ordem jurídica, nomeadamente, para o direito sobre o património cultural, com fundamento na percepção material do mesmo ou por objectos que o reproduzem ou pela eficácia de registos que constatam a sua existência em inventário público ou privado;

  • Bem cultural oculto, os existentes para a ordem jurídica, nomeadamente, para o direito sobre o património cultural, mediante declarações, registos ou reproduções mas que no momento actual seja desconhecido o seu titular, o seu paradeiro e ao qual possa até haver dúvidas quanto à sua actual existência ou condições da sua integridade ou qualificação como património cultural:

  • Quanto ao âmbito:

    • Bem cultural totalmente oculto, considerando aqueles cujo respectivo paradeiro não seja conhecido, percebido ou susceptível de ser comunicado à comunidade no actual estado das possibilidades técnicas ao dispor do ser humano;

    • Bem cultural parcialmente oculto ou parcialmente exposto, considerando aqueles cujo paradeiro seja conhecido mas cuja compleição, dimensão ou outra característica física que se percebe existir, no actual estado das possibilidades técnicas ao dispor do ser humano, não possa ser conhecida totalmente;

  • Quanto à natureza:

    • Bem cultural voluntariamente oculto, considerando aqueles que estão escondidos por vontade de uma pessoa e que apenas por vontade desta podem passar a ser bens expostos;

    • Bem cultural involuntariamente oculto, considerando aqueles de que não se conhece o paradeiro e que devem ser considerados perdidos ou desaparecidos por força de actividade natural;[22]

  • Quanto à sua existência:

    • Bem cultural subjectivamente futuro, considerando aquele que pela suas características e origem pode vir a ser considerado um bem cultural;[23]

    • Bem cultural mítico ou objectivamente futuro, considerando aqueles que se julga existir, por força de especulação baseada em investigação ou em declarações convincentes mas não plenamente convincentes da sua existência.[24]

  • Algumas categorias de bem cultural em função do regime do conjunto específico em que se integra:

  • Bem do património cultural arqueológico e paleontológico;

  • Bem do património cultural arquitectónico;

  • Bem do património cultural arquivístico;

  • Bem do património cultural audio-visual;

  • Bem do património cultural bibliográfico;

  • Bem do património cultural fonográfico;

  • Bem do património cultural fotográfico;

  • Bem do património cultural subaquático.


3.                                Distinção perante outras matérias do Direito

“As pessoas a quem pertence um direito “in rem” podem mudar em qualquer medida, dentro dos limites permitidos pela lei, mas as pessoas sobre as quais impende o dever correspondente a um direito “in rem” não podem mudar porque todas as pessoas estão sob esse dever”.[25]

  • O conteúdo do direito sobre o património cultural é composto por normas que atribuem poderes e definem competências administrativas, normas de sujeição e de proibição aos titulares de direitos sobre bens culturais[26]; em suma pode ser entendido o direito sobre o património cultural como o conjunto de normas num dado ordenamento jurídico que definem direitos, deveres limites e poderes relativamente aos bens culturais[27], grosso modo diga-se “estatuto jurídico do bem cultural”, sendo assim um ramo especial do ramo jurídico do direito das coisas, com o qual tem muitas semelhanças e que, quando presente, não deixa de estar subjacente, por exemplo, no que respeita aos direitos do titular de utilidades da coisa que seja um bem cultural. No entanto distingue-se deste: i) o objecto do direito sobre o património cultural não é necessariamente uma coisa mas um bem;[28] ii) a atribuição de poderes e definição de competências, assim como sujeições e proibições, direitos especiais e deveres especiais[29], são estabelecidas unicamente em função do interesse público, por uma fonte de Direito com autoridade pública; e iii) são normas munidas de autoridade própria e que se impõem aos titulares de direitos privados sobre o bem.[30]

    • A conclusão a que chegamos é de que o direito sobre o património cultural é direito do âmbito público-administrativo. Além das objecções acima expostas à compreensão como direito real, tenha-se em conta, o seguinte: i) por exemplo, a classificação de um bem como cultural é, inequivocamente, um acto administrativo, art. 18.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001; assim como ii) são contratos administrativos os contratos entre os titulares de direitos privados sobre o bem e a autoridade publica competente agindo como tal e não como uma entidade privada, art. 4.º da mesma Lei.[31]

    • No entanto, não considero que a caracterização apenas como direito público administrativo seja totalmente adequada, uma vez que, o valor de bem cultural não depende da soberania estadual sobre o bem. Ainda que não possa ser exercida a soberania do Estado a que o bem pertence quando este está em território estrangeiro, a qualidade de bem cultural do mesmo mantém-se independentemente de acto do seu Estado. No mesmo sentido, algumas das normas que compõem o direito sobre bens patrimoniais não prevêm a intervenção pública, mas obrigações, dos possuidores de bens culturais, ou de quem esteja em contacto material com um bem cultural, perante a comunidade a que o bem pertence – o que podemos designar de deveres reais públicos – como o característico dever de valorizar o património cultural agindo na medida das respectivas capacidades, com o fito de divulgação, acesso à fruição e enriquecimento dos valores que nele se manifestem, previsto no art. 11.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, este dever abrange não apenas o titular do bem, mas toda a pessoa que estiver em contacto material com o bem – é um “dever in rem”.

    • A afirmação de que um bem cultural é um direito real que tal como todos os outros se adquire com o carácter de exclusividade e que tem em si inerentes direitos e deveres jurídicos, características reconhecidas aos direitos reais, mas que no conteúdo e no seu exercício não são direitos com a mesma natureza dos demais direitos reais – dado que o fim em causa é, essencialmente, um fim de interesse público e não do interesse privado – pode justificar a identificação deste como um ramo especial do direito real. No entanto, esta identificação não seria completa dado que, no âmbito do direito sobre o património cultural, ocorrem bens que não são susceptíveis de apropriação por privados e que não poderiam ser considerados objecto de direitos civis.[32]

  • A dificuldade de identificar o ramo do direito a que pertence o direito sobre o património cultural talvez resulte da insistência em afirmar a sua identidade ou unidade dogmática ou axiológica. Sempre podemos fazer corresponder as várias normas que compõem o direito sobre património cultural aos respectivos ramos jurídicos já conhecidos mas isso, além de ser artificial, dado que a identidade da distinção no que respeita aos meios, à finalidade e aos valores que estão em causa que justificam as opções pelas normas que o compõem é, de certa forma, evidente; significaria a sobreposição da redutora síntese conceptual ou semântica à análise devida à realidade jurídica em causa. No entanto, os argumentos contra a afirmação de que é do ramo do direito real são de muito maior peso do que os argumentos de que não é do ramo do direito público. E suponho que a melhor afirmação é, com efeito, que o direito sobre o património cultural é um ramo especial do direito público administrativo.

  • O interesse legalmente protegido dos cidadãos pode ser definido como o interesse a que sejam prosseguidas determinadas finalidades públicas cujo devido cumprimento satisfaz, na sua essência ou relevantemente, determinado interesse privado de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas, dando a esta ou estas a especial relevância do seu direito de cidadania a exigir que aquele dever público seja cumprido. Normas com esta finalidade são encontradas no âmbito do direito sobre o património cultural. Um interesse legalmente protegido do cidadão não pertence à esfera de qualquer pessoa particular a não ser nos seus efeitos, o direito é da entidade administrativa e o dever é da entidade a quem a norma o impõe. Em suma pode dizer-se que a estrutura duma relação destas centra-se no direito do cidadão interessado a exigir, no âmbito do princípio da legalidade da Administração Pública, o cumprimento de um dever administrativo, não necessariamente em subrogação da entidade administrativa em causa mas, eventualmente, até contra a inacção desta.

  • O direito sobre o património cultural distingue-se do direito sobre a propriedade intelectual, dado que aquele visa proteger directamente coisas que em função de determinados critérios têm um valor reconhecido como cultural para uma dada comunidade; este visa proteger a autoria da criação e atende ao interesse público na medida em que protegendo o interesse do autor protege quem aumenta ou desenvolve o conhecimento, a técnica ou a arte. Em especial, para o âmbito da propriedade industrial, protege a autoria da arte, em face da concorrência, no que respeita aos proveitos da invenção.

    • Pode dizer-se que o direito de autor protege indirectamente o património cultural mas visa, sim, principalmente, a protecção do interesse pessoal e patrimonial do autor relativos à obra, enquanto que o direito sobre o património cultural visa conferir maior protecção à conservação, à identidade e à dignidade da própria obra em si. Pode afirmar-se que o direito sobre o património cultural é direito público, ainda que integrado por contratos com entidades privadas, no entanto, o direito sobre direitos de autor é na sua essência direito estabelecido no interesse pessoal ou patrimonial do seu autor, adquiridos imediatamente com a criação da sua obra.

Talvez o art. 2.º do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor, de 1996, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2009, de 30 de Julho, seja ilustrativo da distinção fundamental entre direito de autor e bem cultural ao definir que a protecção conferida pelo direito de autor abrange as expressões, e não as ideias, os processos, os métodos operacionais ou os conceitos matemáticos enquanto tais. Semelhantemente, o art. 1.º, n.º 2 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, afirma que as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos daquele código.[33]

Pense o leitor que a língua portuguesa é património cultural e que a letra de uma música de um qualquer grupo pop da actualidade usa esse património cultural para escrever músicas que estão abrangidas pelo direito de autor, talvez, venha a considerar o leitor, também seja património cultural. O mesmo pode pensar-se relativamente ao “Lusíadas” numa dada época (época em que o autor ou seus herdeiros eram vivos) em que era objecto de direitos de autor e o “Lusíadas” hoje em que é Património Cultural Português.[34]

Note-se também que o direito sobre o património cultural não se esgota em obras de autor, mas abrange igualmente, obras naturais.

  • O direito sobre o património cultural distingue-se do direito sobre os bens caídos no domínio público, dado que este, objecto do Decreto-Lei n.º 150/82, de 29 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 393/80, de 25 de Setembro, visa a defesa da genuinidade das obras intelectuais caídas no domínio público, não pela função das obras em si para a comunidade, mas, como manifestação do respeito pela dignidade do autor da obra e dos seus direitos, exigindo a correcta identificação do autor, a correcta correspondência da reprodução ao original ou a correcta indicação da versão ou das alterações relativamente ao original produzido pelo autor legítimo conhecido.


4.                               Conteúdo do Direito sobre o património cultural

  • O art. 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) prevê que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos que a mesma C.R.P. os prevê ou prevê outros direitos ou princípios que devam prevalecer sobre este. Por outro lado no art. 78.º, n.º 1 da C.R.P. estabelece-se que todos têm direito à fruição e à criação de bens culturais, bem como todos têm o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural. Semelhante equílibrio a Declaração Universal dos Direitos do Homem obriga com a previsão do art. 17.º, n.º 1 e n.º 2 e art. 27.º, n.º 1. Na ponderação de ambos os valores deve-se ter em consideração que o direito à propriedade privada, na C.R.P. deve ser tratado como um direito fundamental de natureza análoga, para efeitos de aplicação do regime dos Direitos, Liberdade e Garantias, nos termos do art. 17.º da C.R.P..[35]

    • Verifica-se que a sujeição de um bem ao estatuto de bem cultural produz, em rigor, uma privação do direito da propriedade sobre o bem, na medida em que determinada capacidade de uso do bem transfere-se para a soberania pública e deixa de pertencer à livre determinação do seu titular. A importância da definição do âmbito de bem cultural importa, essencialmente, para os bens culturais que não tenham sido reconhecidos pela actividade administrativa do Estado como tais. Pois, esses estão também sujeitos a um nível de protecção especial cuja aplicação depende da sua qualificação como cultural, ou pelo contrário, a sua não aplicação depende da sua não qualificação como bem cultural. Esta situação não é conforme à segurança que deve exigir-se de uma norma jurídica, dado que certas violações de deveres por causa do valor cultural de um bem não classificado e não inventariado como bem cultural podem, igualmente, constituir causa de responsabilidade.[36]

  • Enunciam-se normas que ilustram o conteúdo do direito sobre bens culturais. Com referência, salvo indicação em contrário, a normas da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro:

    • Direitos, imunidades e privilégios do titular de bem cultural

      • Direito de pedir a inventariação de um bem, art. 62.º, n.º 1;

      • Direito a um título de identidade com a lícita importação ou entrada no país de bem cultural que se encontrava fora do território nacional, equivalente ao estatuto de bem cultural inventariado, art. 68.º, n.º 2, a);

      • Privilégio de que o bem cultural, lícitamente importado ou admitido no país, não seja sujeito a classificação como bem de interesse nacional ou de interesse público nos 10 anos seguintes à sua importação ou admissão, art. 68.º, n.º 2, b);

      • Direito de titulares privados a que o bem cultural objecto de direitos reais seus não seja inventariado, art. 19.º, n.º 5.[37]

    • Dever de evitar o dano de bem cultural

      • Todos têm o dever de preservar o património cultural, não atentando contra a integridade dos bens culturais e não contribuindo para a sua saída do território nacional em termos não permitidos pela lei, art. 11.º, n.º 1.

      • Todos têm o dever de defender e conservar o património cultural, impedindo, no âmbito das faculdades jurídicas próprias, em especial a destruição, deterioração ou a perda de bens culturais, art. 11.º, n.º 2.

      • A destruição total ou parcial, danificação, desfiguração ou inutilização de coisa alheia que possua importante valor cientifico, artistico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição pública ou acessíveis ao público é, nos termos do art. 213.º, n.º 2, c) do Código Penal punida com pena de prisão de 2 a 8 anos.

      • A destruição total ou parcial, danificação, desfiguração ou inutilização de coisa alheia afecta ao culto religioso e que se encontre em lugar destinado ao culto é, nos termos do art. 213.º, n.º 1 alínea e) do Código Penal, sujeita a punição com cinco anos de prisão ou pena de multa até 600 dias.

    • Dever de comunicar e de obter licença para a saída de bem cultural do território nacional[38]

      • O art. 64.º, n.º 1 estabelece que a exportação e a expedição temporária ou definitiva de bem que integre o património cultural, ainda que não inscrito no registo patrimonial de classificação ou de inventariação, deve ser precedida de comunicação à entidade administrativa competente, com a antecedência de 30 dias.

      • A exportação de bens culturais para fora do território adunaeiro da Comunidade está sujeita à apresentação de uma licença de exportação, a qual é emitida a pedido do interessado, art. 2.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 e art. 4.º todos do Regulamento (CE) n.º 116/2009 do Conselho de 18 de Dezembro de 2008, relativo à exportação de bens culturais. Nos termos da publicação no Jornal Oficial da União Europeia n.º 2009/C 164/04, a autoridade habilitada em Portugal a emitir a licença de exportação de um bem cultural é o Ministério da Cultura, pelo Instituto dos Museus e da Conservação. A licença emitida nos termos deste Regulamento é válida em todo o território da Comunidade. A licença de exportação assim emitida é apresentada, para corroborar a declaração de exportação, no momento do cumprimento das formalidades aduaneiras de exportação, à autoridade aduaneira competente, cuja indicação encontra-se publicada no Jornal Oficial da União Europeia n.º 2009/C 134/05.

      • A exportação e a expedição temporária de um bem cultural classificado como de interesse nacional ou em vias de classificação como tal, é ilícita se não ocorrer nos termos de autorização, dada por despacho do membro do Governo responsável pela área da cultura, para finalidades culturais ou ciêntificas bem como de permuta temporária por outros bens de igual interesse para o património cultural, art. 65.º, n.º 1 e n.º 2.

      • O art. 65.º, n.º 4 prevê a sujeição do titular de direito real sobre bem cultural classificado como de interesse nacional, ou em vias de o ser, às condições ou cláusulas modais que forem consideradas convenientes na atribuição de licença de exportação ou de expedição temporária ou definitiva;

      • O art. 65.º, n.º 4 e o art. 66.º, n.º 2 prevêm a sujeição do titular de direito real sobre bem cultural classificado como de interesse nacional ou de interesse público, ou em vias de ser um ou outro, às condições ou cláusulas modais que forem consideradas convenientes na atribuição de licença de exportação ou de expedição temporária ou definitiva;

    • Dever de comunicar a entrada de bem cultural no território nacional

      • A importação ou a expedição temporária ou definitiva de bem cultural, ainda que não inscrito no registo patrimonial de classificação ou de inventariação, deve ser precedida de comunicação à entidade administrativa competente, com a antecedência de 30 dias, art. 68.º, n.º 1 e art. 64.º, n.º 1.

    • Dever de valorizar o bem cultural:

      • Todos têm o dever de valorizar o património cultural sem prejuízo dos seus direitos, agindo na medida das respectivas capacidades, com o fito da divulgação, acesso à fruição e enriquecimento dos valores culturais que nele se manifestam, art. 11.º, n.º 3.

    • Direitos do achador de bem cultural

      • Direito de recompensa do achador de testemunho arqueológico, art. 78.º, n.º 2;

      • Direito de recompensa do achador de bem do património cultural subaquático, art.s 16.º e 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 164/97, de 27 de Junho;[39]

    • Deveres do achador de bem cultural

      • Dever do achador de testemunho arqueológico de dar conhecimento do achado no prazo de quarenta e oito horas à entidade administrativa competente sobre o bem cultural ou à autoridade policial, art. 78.º, n.º 1;

      • Dever do achador de bem do património cultural subaquático comunicar o facto à estância aduaneira ou órgão local do sistema de autoridade marítima com jurisdição sobre o local do achado, ou a qualquer outra autoridade policial ou directamente ao Instituto Português de Arqueologia, no prazo de quarenta e oito horas, art. 12.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 164/97;

    • Direitos do titular de bem cultural inventariado

      • O direito a um título de identidade, art. 62.º, n.º 3.

    • Direitos administrativos do titular de direitos sobre bem cultural classificado ou em vias de o ser

      • Direito a justa indemnização pelos encargos e prejuízos anormais e especiais resultantes da extinção pela Administração dos direitos constituídos previamente à abertura do procedimento de classificação, art. 42.º, n.º 4;

      • Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais gozam do direito de requerer a expropriação, art.s 20.º, alínea e) e 50.º, n.º 1, c).[40]

      • O art. 31.º, n.º 3 prevê o direito do proprietário, e possuidor e demais titulares de direitos reais sobre os bens culturais classificados de aceder aos regimes de apoio, incentivos, financiamentos e estipulações de acordos e outros contratos a que se refere o art. 60.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2001 reforçados de forma proporcional ao maior peso das limitações.

    • Direitos administrativos do titular de direitos sobre bem cultural classificado ou inventariado

      • Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados gozam, entre outros, dos seguintes direitos específicos, art. 20.º:

  1. Direito à informação quanto aos actos de administração do património cultural que possam repercutir-se no âmbito da respectiva esfera jurídica;

  2. Direito de conhecer as prioridades e as medidas políticas já estabelecidas para a conservação e valorização do património cultural;

  3. O direito de se pronunciar sobre a definição da política e de colaborar na gestão do património cultural pelas formas organizatórias e nos termos procedimentais que a lei definir;

  4. O direito a uma indemnização sempre que do acto de classificação resultar uma proibição ou uma restrição grave à utilização habitualmente dada ao bem.

    • Direito dos proprietários ou outros titulares de direitos reais de gozo sobre bens culturais classificados ou inventariados de que o Governo promova o apoio financeiro ou a possibilidade de recurso a formas especialmente favoráveis de crédito, com a condição destes procederem a trabalhos de protecção, conservação e valorização dos bens, de harmonia com as normas estabelecidas sobre a matéria e sob a orientação dos serviços competentes, art. 99.º, n.º 1.

  • Dever de evitar o dano de bem cultural classificado, ou em vias de classificação

    • A sanção prevista para a situação dolosa de destruição total ou parcial, danificação, desfiguração ou inutilização de monumento público; de coisa pertencente ao património cultural e legalmente classificada ou em vias de classificação; ou coisa alheia afecta ao culto religioso e que se encontre em lugar destinado ao culto é, respectivamente, nos termos do art. 213.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código Penal a punição com cinco anos de prisão ou a punição com pena de multa até 600 dias.

    • A sanção prevista para a situação de quem procede à exportação ou à expedição para fora do país de um bem classificado como de interesse nacional, ou em vias de classificação como tal, fora dos casos previstos na Lei é, segundo o art. 102.º, n.º 1, a punição com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias; para o agente que proceder a tal em negligência, nos termos do art. 102.º, n.º 2, a punição prevista é a prisão até 1 ano ou a pena de multa até 120 dias.

  • Deveres do titular de direitos reais sobre bem cultural classificado ou inventariado

    • Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados estão especificamente adstritos aos seguintes deveres, art. 21.º, n.º 1:

  1. Facilitar à administração do património cultural a informação que resulte necessária para a execução do interesse público legalmente previsto;

  2. Conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração;

  3. Adequar o destino, o aproveitamento e a utilização do bem à garantia da respectiva conservação.

    • Deveres do titular de direitos reais sobre bem cultural classificado

      • Aos proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados incidem ainda os seguintes deveres, art. 21.º, n.º 2:

  1. Observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais;

  2. Executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do bem.

    • Deveres do titular de direitos reais sobre bem cultural classificado ou em vias de classificação

      • A alienação, a constituição de outro direito real de gozo ou a dação em cumprimento de bens culturais de bens classificados ou em vias de classificação como tal, depende de prévia comunicação escrita ao serviço competente para a instrução do respectivo procedimento de classificação, art. 36.º, n.º 1.

      • A transmissão por herança ou legado de bens clasificados ou em vias de o ser e de bens situados na zona de protecção destes deve ser comunicada pelo cabeça-de-casal ao serviço competente, no prazo de três meses sobre a data da abertura da sucessão, art. 36.º, n.º 2.[41]

      • Tem direito de preferência com eficácia real em caso de venda ou de dação em pagamento de bem cultural classificado, em vias de classificação, ou situado na respectiva zona de protecção, os comproprietários do bem, o Estado, as regiões autónomas e os municípios, art. 37.º, n.º 1.

      • Tem direito de preferência o Estado, automaticamente, com a apresentação de pedido de exportação ou de expedição de bem cultural para venda, art. 66.º, n.º 3. Dada a epígrafe do artigo e o seu âmbito previsto no seu n.º 1, considera-se apenas aplicável aos bens culturais classificados de interesse público ou em vias de o ser ou aos demais bens classificados nos termos de legislação de desenvolvimento com excepção do bem classificado como de interesse nacional.

      • O não cumprimento do dever de comunicação por efeito da transmissão, oneração ou da venda para efeitos do exercício da preferência legal, nos termos do art. 38.º, n.º 1, constitui impedimento à celebração pelo notário da respectiva escritura, bem como obstáculo a que os conservadores inscrevam os actos em causa nos competentes registos.

      • O não cumprimento das limitações incidentes sobre a transmissão, a falta da comunicação sobre a alienação, constituição de outro direito real de gozo ou da dação em pagamento com bem classificado ou em vias de classificação, causa a anulabilidade pelos tribunais, sob iniciativa da entidade administrativa competente, no prazo de um ano a contar da data do conhecimento por esta da realização da transmissão, da oneração ou da dação em pagamento com o bem em causa.

    • Deveres de publicidade relativos a bens culturais classificados ou em vias de classificação

      • Os prédios classificados ou em vias de classificação como tal, devem ter a respectiva qualidade inscrita, gratuitamente, no respectivo registo predial, art. 37.º, n.º 1.

    • Dever de informação relativo ao uso futuro de bens culturais classificados como de interesse público ou de interesse nacional[42]

      • Os órgãos públicos competentes devem ser informados dos planos, programas, obras e projectos, públicos ou privados, que possam implicar risco, deterioração, destruição ou desvalorização de bens culturais, art. 40.º, n.º 1.

    • Deveres especiais de diligência na conservação de bens culturais classificados como de interesse público ou de interesse nacional ou em vias de classificação como tal [43]

      • Os estudos e projectos para as obras de conservação, modificação, reintegração e restauro em bens culturais classificados ou em vias de classificação, devem ser, obrigatoriamente, elaborados e subscritos por técnicos de qualificação legalmente reconhecida ou sob a sua responsabilidade directa, art. 45.º, n.º 1; e devem ser elaborados nos termos e segundo as exigências do Decreto-Lei n.º 140/2009, de 15 de Junho.

      • No respeito dos princípios gerais e nos limites legais, o Estado, as Regiões Autónomas, os municípios e os proprietários ou titulares de outros direitos reais de gozo sobre imóveis classificados, ou em vias de classificação como tal, devem executar todas as obras ou quaisquer outras intervenções que a administração competente do património cultural considere necessárias para assegurar a sua salvaguarda, art. 46.º, n.º 1.

      • Ouvidos os interessados e os órgãos consultivos competentes, a competente administração do património cultural pode, no âmbito de poder discricionário, promover a expropriação dos bens imóveis classificados ou em vias de classificação, art. 50.º, n.º 1: a) quando por responsabilidade do detentor, decorrente de violação grave dos seus deveres gerais, especiais ou contratualizados, se corra risco sério de degradação do bem; b) quando por razões jurídicas, técnicas ou ciêntificas, devidamente fundamentadas a expropriação se revele a forma mais adequada de assegurar a tutela do bem; ou c) quando o proprietário a requeira.

      • Não poderá realizar-se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumentos, conjuntos ou sítios classificados, nem mudança de uso susceptível de o afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal, conforme os casos, art. 51.º, n.º 1; sendo que nos termos do n.º 2 deste artigo nenhuma intervenção relevante, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um bem imóvel clasificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou a contemplação do bem, com excepção das intervenções que têm por efeito apenas a qualificação dos elementos do contexto ou dele retirar elementos espúrios, sem prejuízo do controlo posterior.

    • Deveres do titular de direitos reais sobre bem cultural classificado como de interesse público

      • Os bens classificados como de interesse público ficam sujeitos às seguintes restrições e ónus, art. 60.º, n.º 2:

  1. Dever, da parte do detentor, de comunicar a alienação ou outra forma de transmissão da propriedade ou de outro direito real de gozo, para efeitos de actualização de registo;

  2. Sujeição a prévia autorização do desmembramento ou dispersão das partes integrantes do bem ou colecção;

  3. Sujeição a prévia autorização do serviço competente de quaisquer intervenções que visem alteração, conservação ou restauro, as quais só poderão ser efectuadas por técnicos especializados, nos termos da legislação de desenvolvimento;

  4. Existência de regras próprias sobre a transferência ou cedência de espécies de uma instituição para outra ou entre serviços públicos;

  5. Sujeição da exportação a prévia autorização ou licença;

  6. Identificação do bem através de sinalética própria, especialmente no caso dos imóveis;

  7. Obrigação de existência de um documento para registos e anotações na posse do respectivo detentor.


5.                                O regime da restituição ou do retorno do bem cultural

  • O regime da restituição ou do retorno do bem cultural está ligado, incindivelmente, à protecção da paz ou do bom entendimento entre os povos e à protecção do comércio internacional dos bens culturais. Como se verá a acção de restituição não é meio processual adequado para litígios quanto à propriedade ou posse do bem, entre particulares, mas, para um Estado pretender ou exigir de outro Estado a devolução do bem cultural à sua soberania. O regime da restituição da ordem interna portuguesa, é o regime para os casos em que a entidade demandante é um Estado estrangeiro relativamente a um bem cultural “seu” localizado em Portugal. Não servirá tanto para a devolução de um bem cultural português localizado no estrangeiro, sendo que lá o regime da restituição não será regulado pelo direito interno português, mas, claro, pelo regime lá vigente, nacional ou internacional. [44]

    • O regime da restituição e do retorno de um bem cultural é um regime que prevalece sobre os meios de defesa da posse ou da defesa da propriedade. Nestes últimos o que está em causa é a defesa da propriedade privada, particular ou dos direitos de uso de uma coisa. Na restituição ou no retorno o interesse a salvaguardar é o da devolução do bem à soberania a que se deve considerar o mesmo pertencer. Na restituição ou no retorno de bens culturais os sujeitos intervenientes são sujeitos de direito internacional, essencialmente Estados. Na defesa da posse ou da propriedade são, essencialmente, os particulares que estão envolvidos e a questão em causa é tratada como de natureza civil.

    • Uma das características do regime interno da restituição é de que o dever público de justiça que seria a devolução do bem à legítima origem ou precedência é, normalmente, subordinado à condição de reciprocidade, ou seja, à condição de que nas mesmas condições a soberania que requisita cumpriria, ou se sentiria obrigada a cumprir semelhante dever de devolução, normalmente em razão de uma convenção ou de outra fonte vinculativa de direito internacional.

    • Uma perspectiva possível, talvez mais liberal e que normalmente procede – salvo, nas situações de ilicitude da circulação do bem – é a de que o bem cultural é adequadamente valorizado como tal onde quer que esteja. Outra perspectiva, esta talvez mais conservadora, é a de que o bem cultural deve estar junto da comunidade a que com maior legitimidade pertence, normalmente, a comunidade de origem, a qual considera-se ser o “lugar” onde o bem alcança a sua plenitude de sentido e de valor.

    • Refira-se que, em princípio, o caso julgado da improcedência do pedido de restituição equivale à legalização da situação actual do bem cultural em causa, pelo menos, entre as partes na acção.[45]

  • O regime de direito interno

O n.º 1 do art. 69.º da Lei n.º 107/2001 prevê que, em condições de reciprocidade, são nulas as transsacções realizadas em território português incidentes sobre bens pertencentes ao património cultural de outro Estado e que se encontrem em território nacional em consequência da violação da respectiva lei de protecção como bem cultural.

  • O art. 69.º, n.º 2 completa o número anterior prevendo que os bens culturais a que se referem essas transacções nulas por violação do direito de protecção do património cultural, são restituíveis, nos termos do direito comunitário, nomeadamente, da Directiva 93/7/CEE do Conselho de 15 de Março de 1993 relativa à restituição de bens culturais que tenham saído ilicitamente do território de um Estado-membro, ou do demais direito internacional que vincule o Estado Português, nomeadamente, a Convenção do Unidroit sobre bens culturais roubados ou ilicitamente exportados, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/2000, de 4 de Abril.[46]

  • O n.º 4 do art. 69.º prevê que as acções de restituição correm nos tribunais judiciais, nelas cabendo legitimidade activa, exclusivamente, ao Estado de onde o bem cultural tenha saído ilegalmente e desde que se trate de Estado da União Europeia ou outro em condições de reciprocidade na ordem interna portuguesa que lhe confira tal direito; o que abrange, além dos Estados-membros, os Estados com quem Portugal tenha em vigor uma convenção com vista à restituição de bens culturais.[47]

  • Da conjugação do art. 65.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), com o art. 73.º, n.º 1 e n.º 3 do mesmo código resulta que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a acção de restituição de bens imóveis situados em Portugal e, segundo o art. 85.º, n.º 1 e n.º 2 ainda do CPC, no que respeita aos bens móveis detidos por pessoa com domícilio conhecido em Portugal. Para efeitos do valor da causa, se o bem não tiver correspondência com medida pecuniária, deve recorrer-se ao art. 306.º, n.º 1 do CPC e defini-lo na medida da quantia em dinheiro equivalente a esse benefício, grosso modo, o eventual valor de indemnização que esteja em causa, para as acções que têm por objecto a tutela de interesses imateriais, ou interesses difusos, o valor da acção é determinado nos termos do art. 312.º do mesmo Código. Não correspondendo à acção de restituição uma forma de processo judicial especial, nos termos do art. 460.º, n.º 2, in fine, do CPC, a forma de acção a aplicar é a forma comum de processo nos tribunais judiciais.[48]

  • O n.º 5 do art. 69.º da Lei n.º 107/2001, define que a acção de restituição poderá ter por objecto apenas: a) a discussão da qualidade de bem cultural do bem; b) a discussão sobre a lícitude da saída do bem do território estrangeiro; c) a discussão sobre a boa fé do adquirente actual possuidor ou detentor; d) a discussão sobre o montante da indemnização a arbitrar ao possuidor ou detentor de boa fé; e e) outros assuntos que sejam relevantes para a matéria normativa específica em causa, como por exemplo se o bem pertence ou não ao património cultural português.

  • Nos termos do n.º 6 do art. 69.º Lei n.º 107/2001 deve considerar-se uma excepção peremptória, que obstará à procedência da acção de restituição, o facto do bem cultural reclamado constituir bem do património cultural português.[49]

  • O regime interno português compreende o retorno ou a restituição, mas, apenas em processos judiciais. O regime comunitário, nomeadamente o último parágrafo do n.º 2 do art. 2.º do Regulamento CE n.º 116/2009, estabelece um procedimento de cooperação administrativa que deve ser iniciado aquando do procedimento da licença de exportação ou após a comunicação obrigatória da entrada de um bem cultural, mediante contacto com a autoridade competente do Estado-Membro de proveniência do bem cultural a que se refere o pedido de licença para exportação ou a comunicação de entrada.[50]

  • O regime de direito comunitário

Segundo o 3§ do art. 249.º do TCE, a mencionada Directiva 93/7/CEE vincula directamente os Estados–membros destinatários quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Prevê esta Directiva, no seu art. 18.º, 1§, que os Estados-membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva no prazo de nove meses.

  • A medida interna indispensável para o cumprimento da Directiva é a definição da autoridade central competente do Estado-membro para os efeitos da Directiva, tendo Portugal indicado como tal, em conformidade com o art. 3.º da Directiva, o Ministério da Cultura, nomeadamente, o respectivo Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais.

  • A Directiva 93/7/CEE, tem por objecto a restituição de bens culturais que tenham saído ilicitamente do território de um Estado-membro e aplica-se, pode dizer-se, complementarmente, ao Regulamento CE n.º 116/2009, apenas às relações entre Estados-membros.[51]

  • A Directiva 93/7/CEE define no art. 4.º que as autoridades centrais dos Estados-membros, envolvidas numa situação de restituição devem cooperar e promover a concertação entre as suas autoridades nacionais competentes para decidir, política ou administrativamente, sobre a devolução do bem em causa. Acometendo a estas a função de: i) procurar, eficazmente, o bem ou de solicitar a procura cumprindo o ónus de acompanhar o pedido com a informação o mais completa e eficaz possível para o sucesso da procura do bem; ii) notificar o Estado-Membro da descoberta de um bem cultural que lhe pertença ou da suspeita razoàvel de que verifica-se um bem cultural seu ilicitamente saído do seu território; iii) facilitar a verificação do bem pelo Estado-membro a que o mesmo pertença; iv) em consequência da conclusão da verificação, adoptar as medidas necessárias à conservação do bem, v) evitar, através de meios eficazes, que o bem seja subtraído do processo de restituição; e vi) desempenhar a função de intermediário entre o possuidor ou detentor e o Estado-Membro requerente da restituição, com eventual recurso aos meios de arbitragem aplicáveis. Para estas funções, as mencionadas autoridades centrais dos Estados-membros devem ser dotadas mediante as atribuições e as competências necessárias, sob pena de incumprimento da Directiva (e ilegalidade do acto).

  • O art. 5.º da mesma Directiva prevê a possibilidade do Estado-membro requerente intentar uma acção no tribunal competente do Estado-membro requerido, contra o possuidor ou, na falta deste, o detentor, com vista à restituição de um bem cultural que tenha saído ilícitamente do seu território. Tal Estado-membro deve, nos termos do artigo seguinte informar da propositura desta acção, imediatamente, a autoridade central do Estado-membro requerido.

  • O art. 5.º, o art. 7.º n.º 2, e o art. 8.º da Directiva pressupõem que a admissibilidade ou a procedência da acção de restituição dependem da sua instrução com um documento que descreva o bem que é objecto de pedido e que ateste a sua qualidade de bem cultural e uma declaração das autoridades competentes do Estado-membro requerente, segundo a qual o bem saiu ilicitamente do seu território. No entanto, a Lei n.º 107/2001, no seu art. 69.º não faz depender quer a admissibilidade da acção de restituição quer a procedência da mesma acção das declarações previstas no art. 5.º da Directiva, entendendo-se que dispensa esses requisitos. Pelo contrário, outra possível interpretação – a qual parece ser a mais conforme à Directiva – é a de que a acção judicial de restituição entre Estados-membros deve ser mais onerosa do que a mesma acção quanto a um Estado terceiro.[52]

  • O n.º 1 do art. 7.º da mesma Directiva estabelece, também, como excepção peremptória, com efeito directo, na falta de transposição ou perante o defeito da transposição:

  1. a prescrição no prazo de um ano a contar da data em que o Estado-membro requerente teve conhecimento do local em que se encontrava o bem cultural e da identidade do seu possuidor ou detentor; e, não obstante,

  2. a prescrição no prazo de trinta anos a contar da data em que o bem cultural saiu ilicitamente do território do Estado-membro requerente; ou

  3. a prescrição no prazo, mínimo, de setenta e cinco anos para os bens integrados numa colecção pública e que conste de inventário de museus, arquivos e fundos de conservação das bibliotecas ou que sejam considerados no Estado-membro como bens religiosos e assim sujeitos a acordos de protecção especial, segundo a lei nacional, salva a aplicação de prazo de prescrição de duração aplicável superior ou a imprescritibilidade;[53]

    • Nos termos do art. 9.º da Directiva, caso a restituição seja de proceder, deve ser concedida ao possuidor que agiu com a diligência exigida aquando a aquisição da posse a indemnização que se deva considerar equitativa.

  • O regime de direito internacional

A Convenção do Unidroit sobre bens culturais roubados ou ilictamente exportados, assinada em Roma, a 24 Junho de 1995, publicada em anexo à Resolução da Assembleia da Republica n.º 34/2000, de 4 de Abril, “Convenção”, manifesta no 4§ dos seus considerandos o empenho dos Estados partes “em dar uma contribuição eficaz para a luta contra o tráfico ilícito de bens culturais” e que estes “estabelecem, um conjunto de regras mínimas comuns destinadas a regular a restituição e o retorno de bens culturais, entre os Estados Contratantes, com a finalidade de incentivar, no interesse geral, a preservação e a protecção do património cultural”.

  • Nos termos do art. 1.º da Convenção, esta abrange, a restituição entendida como a devolução material do bem cultural ao território do Estado Contratante requerente e o retorno, entendido como a devolução material de bem cultural retirado do território de um Estado Contratante com violação do direito interno que destinando-se a proteger o património cultural regulamentava a respectiva exportação.[54]

  • O art. 3.º, n.º 1 da Convenção estabelece que o possuidor de um bem cultural roubado deve restituí-lo. Extendendo no número seguinte o âmbito da referência a bem cultural roubado ao bem cultural obtido ilícitamente. O art. 4.º, n.º 1 da Convenção prevê a devida indemnização ao possuidor que adquiriu de boa fé a posse sobre o bem cultural.

  • O art. 8.º prevê que o pedido fundado nas disposições quer do capítulo II quer do capítulo III, nomeadamente, quer com fundamento na restituição, quer com fundamento no retorno, pode ser deduzido perante um tribunal ou outra autoridade competente do Estado Contratante onde se encontra o bem cultural, ou perante um Tribunal ou outra autoridade com competência para conhecer do litígio por força do direito interno vigente.

  • O art. 3.º, n.º 3 da Convenção prevê como excepção peremptória da acção de restituição:

  1. a caducidade da acção de restituição no prazo de três anos contar do momento em que o autor teve conhecimento, quer do lugar onde se encontra o bem cultural, quer da identidade do seu possuidor; e, em qualquer caso

  2. a caducidade num prazo máximo de 50 anos a partir do momento do roubo, com excepção da acção de restituição respeitante a um bem cultural que seja parte integrante de um monumento ou sítio arqueológico devidamente identificados, ou que pertença a uma colecção pública, ou que seja um bem cultural sacro, ou um bem cultural que se revista de importância colectiva, pertencente a uma comunidade autóctone ou tribal de um Estado Contratante e por esta utilizado segundo as suas tradições ou os seus ritos. Estes estão apenas subordinados ao prazo de prescrição de três anos a contar do momento em que o autor teve conhecimento do lugar onde se encontra o bem cultural e da identidade do possuidor; [55]

  3. a prescrição no prazo de 75 anos ou superior, tendo sido feita nos termos do n.º 5 e 6 do art. 3.º, pelo Estado Contratante no momento da sua vinculação à Convenção, a declaração de que estabelece como prazo de prescrição, segundo o seu direito interno, o correspondente prazo de setenta e cinco anos ou prazo superior.

    • O art. 5.º, n.º 1 da Convenção prevê que um Estado Contratante pode pedir a um Tribunal ou a outra autoridade competente de outro Estado Contratante que ordene o retorno de um bem cultural ilicitamente exportado, ou que, segundo o número seguinte, não tenha sido devolvido em conformidade com a eventual autorização de saída.[56] Prevendo no seu art. 6.º, n.º 1 que o actual possuidor do bem que de boa fé o tenha adquirido após a exportação ílicita do mesmo, tem direito a uma indemnização equitativa pelo Estado requerente.[57]

    • O art. 3.º, n.º 3 da Convenção estabelece que o tribunal ou outra autoridade competente do Estado Contratante requerido deve ordenar o retorno do bem cultural, logo que o Estado requerente determine, subsidiariamente, que o referido bem reveste para si uma importância cultural significativa ou, a título principal, que a sua exportação lesa significativamente um dos seguintes interesses:[58]

  4. A conservação material do bem ou do contexto em que o mesmo está inserido;

  5. A integridade de um bem complexo;

  6. A preservação da informação relativa ao bem, designadamente de natureza cientifica ou histórica;

  7. A utilização do bem por uma comunidade autóctone ou tribal segundo as suas tradições e os seus ritos.

    • O art. 5.º, n.º 5 da Convenção prevê como excepção peremptória da acção de retorno:

  8. O decurso de três anos a contar do momento em que o em que o Estado requerente teve conhecimento do local em que se encontra o bem cultural e da identidade do seu possuidor; ou, em qualquer caso,

  9. O decurso de um prazo máximo de 50 anos a contar da data da exportação, ou da data em que o bem deveria ter regressado por força da licença condicional deferida no momento da saída;

    • Além dos regimes de restituição e de retorno previstos pelo Direito Comunitário, pelo Direito Internacional e os meios judiciais previstos no Direito Interno nacional, pode-se considerar, em princípio:

  10. as diligências particulares para a aquisição do bem, por meio de negociação, em conformidade com o regime legal da exportação no momento da devolução do bem à sua legítima soberania;

  11. as diligências por via da Administração Pública ou dos agentes diplomáticos para contactos às congéneres do actual Estado onde se localiza o bem com vista à aquisição do bem.


6.                                Contratos sobre bens culturais

  • A lei não limita os tipos de contratos que podem ser estabelecidos sobre bens culturais, entre sujeitos de direito privado, aplicando-se em geral as normas do direito civil, com a aplicação de normas do direito sobre o património cultural que possam obrigar a cláusulas obrigatórias ou a cláusulas convenientes. Nas relações dos sujeitos privados com entidades públicas – pelo princípio da legalidade – o leque de opções para a negociação pode estar limitado pelo regime administrativo que regule as atribuições e competências da entidade.

    • A alínea c) do n.º 1 do art. 21.º da Lei n.º 107/2001, estabelece que o proprietário, o possuidor e os demais titulares de direitos reais sobre bens culturais que tenham sido classificados ou inventariados, estão especificamente adstritos ao dever de adequar o destino do bem à garantia da respectiva conservação, do que pode deduzir-se que qualquer que seja o destino a dar ao bem – por exemplo, um que implique a extinção do direito sobre o bem como a venda – o titular activo deve procurar prover o contrato com cláusulas que indiquem a natureza de bem cultural classificado ou inventariado do bem e que nestas, expressamente ou por remissão, haja a atenção para as normas que exigirão do novo titular a observação de cuidados de conservação e segurança do bem, sob pena de, no caso da compra e venda, o alienante poder ser responsabilizado pela actuação negligente do novo titular do bem por este desconhecer que havia adquirido um bem cultural classificado ou inventariado. É com certeza, uma hipótese limite, mas ilustrativa da conveniência para o titular activo do bem cultural de fazer constar de qualquer negócio sobre o bem a indicação clara aos deveres específicos da outra parte sobre o bem cultural objecto do negócio.

Eventuais efeitos reais de cláusulas com este teor, dada a regra geral do art. 1305.º e 1307.º a contrario, todos do Código Civil, são nulos, mesmo que as cláusulas estejam inscritas no registo predial. No que respeita aos bens culturais imóveis hà a obrigatoriedade de que a qualidade de bem cultural esteja inscrita, art. 39.º, n.º 1 e 2 da Lei, mas não no que respeita aos demais bens culturais.

Não obstante, onde aplicável, é um pouco inútil registar estas cláusulas como ónus ou encargos, dado que não pertencem ao conteúdo da relação entre os particulares do negócio mas, a conteúdo imperativo por autoridade da lei ao titular do bem cultural.

  • No âmbito da hipótese anterior, pode ser relevante, também, fazer ressaltar aspectos do regime do erro: uma vez que os deveres sobre o bem cultural são imperativos e não dependem da eficácia de qualquer negócio jurídico para deverem ser cumpridos; para os efeitos do art. 247.º do Código Civil deve considerar-se que o conhecimento da qualidade actual de bem cultural inventariado ou classificado no momento da aquisição, é essencial para aquele que pretende concluir a negociação sobre o bem cultural.

  • Afigura-se constituir outro aspecto importante também, para efeitos de responsabilidade penal ou contraordenacional, o facto de não se saber que o bem em causa era um bem cultural. Este poderá ter como consequência o reconhecimento da falta de culpa ou que esta deverá ser tida apenas como negligente, art. 16.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, para os efeitos em que o conhecimento de tal valor cultural do bem seja essencial para a correspondência do comportamento em causa com o tipo de crime ou de agravamento em causa.

  • O n.º 2 do art. 49.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprova o regime jurídico do contrato de seguro prevê que, regra geral, cabe ao tomador de seguro indicar ao segurador, quer no início, quer durante a vigência do contrato, o valor da coisa, direito ou património a que respeita o contrato para efeito da determinação do capital seguro. Tenha-se em conta que nos termos do art. 128.º do mesmo regime, a prestação do segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro. O que além de evidenciar a questão também da avaliação do dano, esclarece que o montante do capital seguro deve ser avaliado tendo em conta o valor que o tomador de seguro pretende receber com a verificação do mais grave, ou o mais absorvente, sinistro abrangido pelo contrato de seguro sobre o bem.

O n.º 1 do art. 84.º da Lei n.º 47/2004, que estabelece a Lei-Quadro dos Museus Portugueses, prevê a obrigatoriedade do contrato de seguro aos bens culturais cedidos por museu ou pessoas singulares ou colectivas a museus, ou seja, para os contratos em que uma das partes envolvidas seja um museu e deixa o conteúdo do contrato de seguro, âmbito, objecto e clausulado à autonomia das partes envolvidas. O n.º 2 do mesmo artigo permite a possibilidade de dispensa da obrigatoriedade do seguro para os casos em que os contratos mencionados no número anterior sejam de cedência temporária.

  • Para efeitos fiscais considere-se que os rendimentos de bens culturais são enquadráveis na Categoria E, art. 5.º, n.º 1 do Còdigo do IRS e que nos termos do art. 8.º da Lei n.º 107/2001 as pessoas colectivas de direito público colaborarão com os detentores de bens culturais por forma a que estes possam conjugar os seus interesses e iniciativas com a actuação pública à luz dos objectivos de protecção e valorização do património cultural e beneficiem de contrapartidas de apoio técnico-financeiro e de incentivos fiscais.

  • A comercialização pública de contratos sobre bens corpóreos

O Decreto-Lei n.º 357-D/2007, de 31 de Outubro, visa a regulação da comercialização pública, dirigida especificamente a pessoas com residência ou estabelecimento em Portugal, de contratos relativos ao investimento em bens corpóreos. A proposta negocial abrangida, compreende a que seja relativa ao investimento em qualquer bem móvel ou imóvel, nomeadamente, selos, pedras preciosas, obras de arte e antiguidades ou seja relativa ao investimento em direitos sobre estes bens, que implique a recepção de fundos do público em contrapartida ou para a rentabilização ou valorização e posterior entrega ao cliente de parte ou da totalidade do investimento feito por este, cfr. art. 1.º, n.º 1 e 2 e art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 357-D/2007.

  • Além, ou no âmbito, do previsto no art. 6.º do Regulamento 9/2007 da CMVM, que desenvolve o Decreto-Lei 375-D/2007, no que respeita especificamente à perspectiva do regime da regulação deste mercado pelo regime que respeita aos bens culturais, considero que o mercado ou a sua regulação deveria assegurar-se da idoneidade das sociedades comercializadoras, mediante a obrigatoriedade de comprovativo da lícitude dos bens a que se referem os contratos que comercializem. [59]

  • Ainda, para além ou no âmbito do previsto no art. 11.º do mencionado Regulamento 9/2007 da CMVM, informar, com o objectivo de um maior esclarecimento de quem queira investir nestes contratos, sobre os riscos de ocorrência de situações que possam desvalorizar o bem ou que possa ter consequências na sua posição relativa no contrato face ao bem ou às prestações devidas pela entidade comercializadora a que possa vir a ter direito que dependam, principalmente, da relação desta com o bem em causa, nomeadamente:

  1. quanto à origem do bem e à lícitude da sua deslocalização desde a sua mais remota localização conhecida, incluindo, necessariamente, a última eficaz na atribuição da titularidade actual, a sua localização actual e os períodos cronologicos ou datas a que se referem[60];

  2. quanto às condições que o actual detentor assegura de conservação e de segurança do bem;

  3. quanto à idoneidade dos técnicos que asseguram as qualidades ou características que devem ser descritas do bem.

Pretende-se dotar o possível investidor de informação suficiente de modo a que perceba da eventual qualidade de bem cultural que esteja em causa, do risco de classificação e em que categoria, dado que pode considerar-se que os encargos que a classificação ou inventariação exija não sejam exactamente compensados com as vantagens da classificação ou inventariação; e, ainda que já seja classificado ou inventariado, inclua também, as eventuais exposições em museus em que o bem já esteve e a identificação do museu; e ainda se é ou não um bem litigioso, ou objecto de qualquer processo actual de restituição ou de retorno, quero dizer, processo judicial, procedimento administrativo ou qualquer procedimento de contactos iniciado e ainda não considerado, definitivamente inviável ou decidido sem possibilidade de recurso ou de reclamação e os fundamentos em causa que motivaram a fechar tais processos ou procedimentos.

  • A pertença ou uso por museus

Nos termos da Lei n.º 47/2004, secção III, arts. 12 e ss. os museus devem aprovar uma política de incorporações legítima face à vocação concreta do museu em causa. Define-se a incorporação como a integração formal de um bem cultural no acervo do museu, os tipos de incorporação previstos são os que implicam a transferência ou a constituição de direitos de propriedade ou de pleno possuidor sobre o bem: a) compra; b) doação; c) legado; d) herança; e) recolha; f) achado; g) transferência; h) permuta; i) afectação permanente; j) preferência; l) dação em pagamento, e nos termos do número seguinte os bens culturais expropriados nos termos da Lei.[61]

  • Os art.s 13.º, n.º 4 e 74.º da Lei n.º 47/2004, esclarecem que o depósito coercivo ou voluntário de bens culturais no museu não implica a incorporação dos mesmos ao museu. Distinto do depósito em que o titular activo é uma entidade que não é o museu, é a cedência temporária do bem em que o titular activo pode ser o museu, cfr. arts. 74.º e ss. da Lei n.º 47/2004.[62]


7.                               Conclusões

  • Como “bens culturais” justifica considerar-se as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representam testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória colectivas de comunidades infra-estaduais a internacionais, cfr. n.º 1 do art. 91.º da Lei n.º 107/2001; ou segundo o art. 1.º da Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, anterior Lei de Bases do Património Cultural, todos os bens materiais e imateriais que pelo seu reconhecido valor próprio, devem ser considerados como de interesse relevante para a permanência e identidade da cultura (portuguesa) através dos tempos. Sendo que na medida em que coarcta de qualquer modo o direito à propriedade privada, o âmbito do conceito de “bens culturais” deve respeitar o art. 18.º, n.º 2 e n.º 3 da C.R.P..

  • Das várias categorias que visam a clarificação do regime jurídico disciplinador do bem cultural, a mais relevante é a que distingue entre bens culturais classificados e bens culturais não classificados, sendo que a classificação de um bem cultural é um acto administrativo.

  • O direito sobre bens culturais ou direito sobre o património cultural tem características próprias que lhe dão identidade no sistema jurídico vigente em Portugal. Não se integra plenamente no âmbito dos direitos reais e não se confunde com o direito sobre a propriedade intelectual.

  • As normas que constituem o direito sobre património cultural são essencialmente de sujeições, proibições e de privilégios em função da titularidade sobre o bem cultural com normas de responsabilização penal e contraordenacional que protegem os bens culturais.

  • O regime da restituição ou do retorno de bens culturais é, essencialmente, o regime jurídico que disciplina o lítigio em que é parte o Estado que arrogando-se legítimo soberano de um bem cultural que encontra-se fora do seu âmbito de soberania, pretende ou exige do Estado da localização do bem, por meio de negociação, meios graciosos administrativos, ou judiciais a devolução do bem cultural.

  • Os contratos sobre bens culturais podem ser celebrados entre entidades privadas, entre entidades públicas ou entre entidades públicas e privadas, aquelas agindo como tais ou como entidades privadas. O mercado público de propostas ou de contratos que compreendam, essencialmente, a aplicação de investimentos do público em bens que podem ser culturais, está abrangido pelos poderes de regulação e de supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários relativos ao investimento em bens corpóreos.


8.                                Consulte


9.                                Bibliografia

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[1] Comissão das Comunidades Europeias, Bruxelas 10.5.2007, COM (2007) 242.

[2] O entendimento do que é o “bem” é relativamente simples, dado que se compreende, juridicamente, nesta noção tudo o que for susceptível de ser um objecto sobre o qual se estabeleçam posições jurídicas; nas palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto o bem jurídico “constitui o ponto de incidência do Direito”, em “Teoria Geral do Direito Civil” 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1994, pág. 329.

[3] Veja–se o art. 3.º, alínea b) da Convenção Quadro do Conselho da Europa relativa ao valor do património cultural para a Sociedade; o art. 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de Junho; e em Espanha, a Ley 52/2007, de 27 de Dezembro, nomeadamente os seus arts. 15.º a 17.º, a disposição adicional terceira e a disposição adicional sexta.

[4] São vários os exemplos de bens culturais alheios à actividade humana, também, conhecidos por bens naturais, mas, entre estes, com seriedade, assumo a liberdade de referir o direito às estrelas: não tanto o direito de as preservar, mas o de poder contemplá-las e assim permitir-se que a actividade humana possa continuar a inspirar-se nestas. Não apenas a actividade poética ou contemplativa, mas, também, a de orientação geográfica à noite, por exemplo. Pode parecer hilariante ou insólito, mas evitar que, principalmente, nos meios urbanos, a iluminação à noite seja excessiva para as suas finalidades de segurança e bem-estar, pode encontrar justificação no, suposto, direito às estrelas.

[5] Distinta da eficácia, por exemplo, do inventário museulógico previsto no art. 16.º da Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto.

[6] Património é, no âmbito do direito sobre bens culturais, entendido no sentido lato de bem independentemente de ser, ou não, susceptível de avaliação pecuniária. O interesse que prevalece e que dá dignidade ao bem cultural não tem por vezes medida pecuniária, nem a susceptibilidade de fazer converter o bem cultural noutro bem comummente aceite de intermediação de trocas (dinheiro). O interesse que prevalece é um interesse imperativo, quero dizer, interesse que se tem, ou que se deve ter, sobre o bem em causa, quer este seja uma coisa susceptível de ser objecto de comércio, ou não, susceptível de ser convertível em dinheiro ou não. Em semelhante sentido numa obrigação juridica civil aponta o art. 398.º, n.º 2 do Código Civil ao esclarecer que uma obrigação jurídica civil não tem de ter valor pecuniário mas deve ser um interesse de uma pessoa e interesse este digno de protecção jurídica.

[7] Frequentemente as sujeições e deveres relativos aos bens culturais são contrários ao interesse privado e a afirmação mais segura é de que os bens culturais, pelo menos os bens classificados segundo o regime vigente, pertencem a uma esfera jurídica que não é, efectivamente, a de um particular mas, necessariamente, a partir do momento em que são inequivocamente bem culturais públicamente reconhecidos como tais, à esfera jurídica do Estado, quer dizer, à soberania do Estado. Ainda que formalmente o proprietário do bem seja um particular, o seu direito como tal encontra-se de tal maneira coarctado que a afirmação de que é seu redunda na afirmação de que é apenas um priveligiado em alguns direitos face aos demais cidadãos.

[8] O critério do bem encontrar-se em território português há mais de 50 anos pode não ser coerente com as normas internacionais que vinculam o Estado Português e que estabelecem prazos mais alargados de caducidade/prescrição do processo de restituição de bem cultural.

[9] Entendo que o n.º 1 do art. 55.º da Lei tenha maior importância no que respeita aos processos de restituição do bem quando está em consideração a pertença do bem à soberania portuguesa.

[10] Apenas as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural é definida pelo art. 165.º, n.º 1, g) da Constituição da República Portuguesa como matéria da reserva relativa da Assembleia da República. No entanto, à Lei n.º 107/2001 é dado um valor reforçado na ordem jurídica portuguesa, nos termos do art. 112.º, n.º 3 da C.R.P. pelo que não se pode dizer que de algum modo o Decreto-Lei n.º 139/2009 ou o Decreto-Lei n.º  309/2009 publicados sem ser ao abrigo de competente autorização legislativa da Assembleia da República, subtraiu, respectivamente, os bens culturais imateriais ou os bens culturais imóveis, ao regime da Lei n.º 107/2001.

[11] Os bens culturais universais de valor excepcional  são incluídos nesta categoria.

[12] Podem ser entendidas as coisas incorpóreas como aquelas que têm uma existência meramente social, Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 2003, pág. 218.

[13] Esta distinção deve fazer-se segundo os critérios dos art.s 204.º e 205.º ambos do Código Civil. Justifico a presente designação com a possibilidade prevista no art. 48.º da Lei n.º 107/2001 de ser alterada a localização de um bem cultural imóvel.

Só pode entender-se que tal deslocalização seja admitida supondo-se que a protecção de um bem cultural é essencialmente ao valor, ou identidade, que se lhe reconhece. Assim a mobilidade geográfica de um bem cultural imóvel é menor do que a de um bem cultural móvel, mas não é de desconsiderar. O bem imóvel é geograficamente mais estável, dado que a sua localização depende da vontade humana apenas em casos excepcionais. A deslocalização de um bem imóvel implicará sempre maior perda do valor original do bem do que a deslocalização de um bem móvel.

[14] O Decreto-Lei n.º 309/2009 estabelece o procedimento de classificação dos bens culturais imóveis.

[15] Veja-se por exemplo, o regime previsto nos arts. 22.º a 24.º da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada no Vaticano, a 18 de Maio de 2004, aprovada pela Resolução da Assembleia da República, n.º 74/2004, de 16 de Novembro de 2009. Assim como os artigos 99.º a 104.º da Constituição Apostólica Pastor Bonus e a Carta Apostólica sob Motu Próprio, I’nde a Pontificatus, ambas do Papa João Paulo II.

[16] Esta categoria não se confunde com a precedente na medida em que a qualidade sacra, tribal ou profana do objecto não depende da titularidade, mas do objecto em si, sendo que, com excepção dos objectos profanos, em algum momento estes bens devem ter pertencido a uma entidade religiosa ou grupo autóctone ou tribal.

[17] Veja-se, por exemplo o art. 30.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, que estabelece o direito de audição da igreja ou comunidade religiosa, quanto à classificação de um bem religioso como cultural.

[18] São, actualmente, bens classificados de interesse nacional o espólio de Fernando António Nogueira Pessoa, nos termos do art. 1.º do Decreto n.º 21/2009, de 14 de Setembro, do Ministério da Cultura e os bens do património cultural móvel nacional dos museus dependentes do Instituto Português de Museus, nos termos do art. 1.º do Decreto n.º 19/2006, de 18 de Julho, do Ministério da Cultura, designados no anexo integrante previsto no artigo 2.º do mesmo Decreto.

[19] O art. 31.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2001 refere-se a esta classificação como «de valor concelhio ou de interesse municipal».

[20] Inclui os «bens móveis suporte de manifestação do património cultural imaterial», previsto no art. 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 139/2009.

[21] Transportabilidade aferida tendo em consideração que um bem cultural não é o objecto ou a realidade que o suporta mas o valor como bem cultural que é reconhecido a esse objecto ou realidade.

[22] Natural, no sentido comum, de alheio à actividade ou determinação da vontade humana.

[23] Esta classificação está relacionada com a dificuldade da definição de bem cultural, sendo a categoria à qual pertencem os bens que materialmente podem ser culturais e que podem vir a sê-lo, também, formalmente, assim como os bens que materialmente não sejam já bens culturais, mas, que, todavia, com o tempo, e eventual actividade humana, possam vir a ser considerados bens culturais.

[24] Não será um bem cultural algo de que nem se fale e que assim esteja totalmente além das possibilidades humanas. Um direito sobre algo inefável seria absurdo. A categoria de bem mítico corresponde em toda a medida à categoria que pode designar-se bem cultural objectivamente futuro, sendo bem cultural objectivamente futuro aquele que por força de investimentos e outros contratos para o encontrar, é objecto de negócios jurídicos. Exemplo facilmente compreensível no que respeita a bens que se espera resultem de escavações e de actividades afins de descoberta.

[25] Wesley Newcomb Hohfeld, Os conceitos jurídicos fundamentais aplicados na argumentação judicial”, pág. 142, Fundação Calouste Gulbenkian, Abril de 2008, original publicado em 1913 e em 1917, no Yale Law Journal.

[26] Contém também normas que poderiam ser chamadas de qualificação, mas como podemos considerá-las normas que definem o âmbito das atribuições e competências administrativas ou da aplicação das sujeições e proibições, podemos afirmá-las não como verdadeiras normas jurídicas a se, mas como parte intrínseca da definição de atribuições e competências administrativas ou das sujeições e proibições, pois, a estrutura de uma norma jurídica distingue-se em previsão e estatuição.

[27] Não há falácia ao introduzir o conceito de “bem cultural” na definição de direito sobre o património cultural, uma vez que este direito aplica-se a estes bens, quero dizer, só há este direito, porque esses bens existem, a existência destes bens não depende da qualificação do direito a assim considerá-los, devendo pelo contrário o direito aplicar-se aos bens que sejam considerados ou de considerar culturais e protegê-los.

[28] Se o objecto do direito sobre o património cultural for, como defendemos, a identidade de uma dada realidade material, o seu objecto será essa identidade, sendo a realidade material em que esta identidade reside um instrumento que deve ser protegido por causa daquela. Assim sendo, o objecto do direito sobre o património cultural é, na sua primeira linha, sempre imaterial, o que pode ser entendido pela seguinte afirmação: materialmente a ideia de uma moeda histórica apenas com valor cultural não tem senão uma diferença relativamente à ideia de uma moeda com curso legal, a diferença está apenas no valor que em momentos diferentes lhe é dada pela comunidade, mais precisamente no caso da moeda, pelo comércio. Quero dizer mais especificamente que a diferença está no valor que uma pessoa sabe, ou espera, que outros reconhecem – pense-se nisto tendo em conta o fenómeno da inflacção – a pessoa aceita a moeda tendo em conta o valor por que pensa conseguir trocá-la.

[29] Especiais face ao ramo do direito real.

[30] Por normas munidas de autoridade própria quero referir-me a normas que não carecem de ser integradas por um acto da vontade de outrém para estarem completas como tais e assim vigorarem.

[31] Também no sentido de que o Direito sobre bens culturais é do âmbito do Direito Público: “Introdução ao Direito do Património Cultural”, José Casalta Nabais, Almedina, 2004, p. 42 e ss..

[32] Colocando a tónica no direito administrativo, poder-se-ia a entender o titular de direitos sobre um bem cultural como um agente administrativo, na medida em que tenha de exercer funções de interesse público ditadas por lei, ou por acto ou contrato administrativo por causa da sua titularidade sobre um bem cultural. Se a tónica pertencer ao direito real, o titular de direitos privados sobre um bem cultural pode exercer livremente estes seus direitos sobre o bem, sendo que os seus direitos se encontram sujeitos a limitações, proibições e obrigações especiais por causa daquela utilidade especial cultural do bem. No entanto, da conclusão de que é um direito real com limitações de direito administrativo pode deduzir-se que o direito sobre o património cultural é direito administrativo, dado que a diferença desta matéria estaria, não no que respeita à coisa enquanto objecto de direitos reais, mas ao direito que estabeleceria a diferença no “estatuto do bem“ por esse ser cultural.

Uma questão que pode considerar-se implícita é a natureza de direito público ou de direito privado do direito real, dado que é difícil a afirmação de que o direito real é essencialmente direito civil – eu considero que a questão aqui não é essa, no entanto… Vejamos o exemplo, no que respeita ao direito à urbanização ou à edificação ou melhoria de imóveis, há aí, também, limitações de interesse público mas o exercício do direito privado é aí apenas determinado ou condicionado pelo acto da autoridade pública. Não há dúvida que o interesse que informa a actividade da construção é da entidade a quem a coisa será construída e que os benefícios para a comunidade em geral serão meras externalidades. Com a exigência do acto da autoridade pública no âmbito da urbanização, edificação ou construção de imóveis pretende-se mais evitar os prejuízos para a comunidade do que exigir benefícios para a comunidade.

Diferente de proteger o interesse público da actividade privada é sujeitar, integralmente, determinada actividade privada a prosseguir o interesse público – que é, grosso modo, o que verifico no direito sobre património cultural.

[33] O direito sobre o património cultural pode inclusivamente produzir alguma tensão à liberdade de criação, por exemplo, uma música ou obra literária nova que vise apenas denegrir um valor considerado, inequivocamente, bem cultural essencial para a identidade de um país. Pode, eventualmente, considerar-se a força intrínseca da identidade cultural e a sua capacidade para evoluir para justificar a prevalência da liberdade de criação.
Tensão semelhante, também, pode ser encontrada entre uma determinada interpretação histórico-cientifica e as crenças, lendas ou histórias que informam o fundamental da identidade de uma comunidade. Note-se que a liberdade de expressão e a defesa do património cultural são valores constitucionais, embora, só a primeira seja, num Estado de Direito, um direito fundamental do cidadão. Outra tensão importante e muito actual, prende-se com o acesso ao património cultural e a protecção do direito de autor, qual o equílibrio? Um artista pratica a sua arte não tanto para si mas para outros, isto é claro num músico, num cantor, num cozinheiro, num pintor, etc. pelo que para a fnalidade do artista a possibilidade de acesso do público ao que ele produz é natural, é essencial, no entanto, nem que seja instrumentalmente no sentido de apoio à arte que produz, também pensa ser remunerado, ou obter valor em troca, por isso – e não vejo aqui nada de censurável para o artista. Outra tensão pertinente poderá ser também a consideração da instituição casamento tal como tem sido milenarmente configurado, entre homem e mulher, seja ou não património cultural.

[34] Á presente data ainda não classificado como tal por acto de autoridade de Portugal.

[35] Como evidência do valor constitucional do património cultural note-se que a C.R.P. refere-se a este no seu art. 2.º, no art. 9.º, alínea e), no art. 52.º, n.º 3, alínea a), no art. 72.º, n.º 2, no art. 73.º, n.º 3, no art. 74.º, n.º 2, alínea h), no art. 76.º, n.º 1, no art. 78.º, n.º 1 e 2 em todas as suas alíneas, no art. 90.º e no art. 165.º, n.º 1, alínea g).

[36] Pode dizer-se que a epígrafe do art. 20.º e do 21.º, a redacção dos art. 4.º, n.º 1, 62.º, n.º1 e 60.º, n.º 2, alínea a), todos da Lei n.º 107/2001 confessam que o título de “detentor” é mais conforme ao maior âmbito privado de um direito real sobre um bem cultural do que a designação de “proprietário”.

[37] O direito do particular a que o bem que seja objecto de direitos reais seus não seja inventariado é coarctado pela imperativa inventariação do bem cultural que se encontre em vias de classificação, art. 19.º, n.º 5 da Lei n.º 107/2001; sendo que qualquer bem pode ser objecto de procedimento de classificação por iniciativa de qualquer pessoa privada, ou pública, nacional ou estrangeira, nos termos do art. 25.º, n.º 1 da mesma Lei, e art. 4.º do Decreto-Lei n.º 309/2009.

[38] O art. 30.º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE) e o art. 36.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, prevêm a excepção às proibições de restrições relativas à livre circulação de mercadorias justificada por razões de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico.

Entende-se que as restrições previstas na Lei n.º 107/2001 à exportação, em conformidade com a norma citada do TCE, abrangem apenas a circulação de bens dentro do território da União Europeia. O Regulamento CE n.º 116/2009 aplica-se, com a aplicabilidade directa formal característica, às exportações para fora da União Europeia. Deve-se, portanto, entender que as restrições à exportação previstas na Lei n.º 107/2001 apenas são aplicáveis às exportações dentro da Comunidade, sendo aplicável às exportações para fora da Comunidade nos termos permitidos pelo Regulamento. No entanto, no art. 67.º da Lei n.º 107/2001 lê-se: «As formalidades para efeito de exportação de bens pertencentes ao património cultural de Estados membros da União Europeia regem-se pelo disposto no Direito Comunitário». Dado que com excepção da Directiva 93/7, de 15 de Março, relativa à restituição de bens culturais, o Direito Comunitário não contém regulamentação especial para a circulação de bens culturais entre os Estados-Membros, deve-se considerar-se-lhes aplicável, à falta de norma especial nacional, o princípio geral da livre circulação de bens no mercado interno. A circulação de bens culturais no território da Comunidade Europeia, rege-se, conforme enunciado no TCE, pela legislação nacional conforme ao direito comunitário, assim como a exportação para fora da Comunidade que não seja abrangida pelo direito comunitário; o mesmo pode ler-se no art. 2.º, n.º 4 do Regulamento CE 116/2009. Note-se que nos termos do art. 2.º, n.º 1, 2§ do Regulamento CE n.º 116/2009 a autoridade competente no Estado-Membro pode não requerer a apresentação de licenças de exportação para os bens culturais abrangidos pelo Regulamento, que tenham um valor arqueológico ou científico reduzido, que não sejam produto directo de escavações, descobertas ou estações arqueológicas de um Estado-Membro e cuja presença no mercado seja legal.

[39] O Art. 19.º do Decreto-Lei n.º 164/97 prevê ao achador o direito de discordância quanto ao valor do bem, uma vez que o valor da recompensa é estabelecido em função desse.

[40] O interessado no requerimento para a expropriação é o titular de direitos reais sobre o bem, na medida dos seus direitos. O requerimento começa por seguir o procedimento previsto no art. 50.º, n.º 1, c) da Lei n.º 107/2001 podendo ser promovida a expropriação pela entidade administrativa competente sobre o bem cultural em causa – nos termos do art. 95.º, n.º 1, a) da Lei n.º 107/2001 incumbirá às pessoas colectivas públicas cujos órgãos hajam procedido, por esta ordem, à classificação ou inventariação, ou tenham pendentes procedimentos para esse efeito, a tomada de decisão quanto à expropriação de bens culturais ou de prédios situados na zona de protecção de bens culturais imóveis. Este regime deve prevalecer no que respeita à expropriação de bens culturais, como excepcional relativamente ao previsto no art. 96.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, na redacção vigente dada pela Lei n.º 56/2008, de 4 de Setembro. O art. 70.º, n.º 1 da Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto, “Lei Quadro dos Museus Portugueses”, dispõe sobre o procedimento aplicável à expropriação de bens culturais móveis, prevendo que esta: i) só pode ser exercida pelo Estado e pelas Regiões Autónomas; ii) depende de prévia pronúncia por parte do Conselho de Museus; e iii) que os bens móveis só podem ser expropriados se forem incorporados em museus da Rede Portuguesa de Museus. O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que a declaração de utilidade pública da expropriação é da competência do Ministro da Cultura, sob proposta do Instituto Português de Museus, enquanto entidade expropriante e, segundo o art. 72.º, n.º 2, após parecer prévio do Conselho de Museus. É prevista a possibilidade do procedimento de posse administrativa, segundo o art. 72.º, n.º 1 desta Lei n.º 47/2004 e o art. 91.º do Código das Expropriações.

[41] As referências da Lei a “zona de protecção do bem cultural” penso que corresponde ao previsto no art. 2.º, n.º 6 da Lei n.º 107/2001, aqui categorizados de bens culturais instrumentais, ou então ao enquadramento paisagístico dos bens imóveis.

[42] Nos termos do art. 60.º, n.º 6 da Lei n.º 107/2001 os deveres previstos nos art.s 40.º a 60.º da Lei n.º 107/2001 só abrangem os bens culturais classificados como de interesse municipal quando assim seja previsto na legislação de desenvolvimento.

[43] Nos termos do art. 60.º, n.º 6 da Lei n.º 107/2001 os deveres previstos nos art.s 40.º a 60.º da Lei n.º 107/2001 só abrangem os bens culturais classificados como de interesse municipal quando assim seja previsto na legislação de desenvolvimento.

[44] Como bem cultural de um determinado Estado, aqui quero dizer, pertencente, enquanto bem cultural, a comunidade abrangida por esse Estado.

[45] Refira-se que as razões da não procedência da devolução a um Estado podem servir para novos processos judiciais de restituição do bem, ainda que a titularidade sobre o bem se altere na mesma ordem jurídica.

[46] O n.º 3 do art. 69.º da Lei n.º 107/2009 ao prever que a restituição de bens pertencentes ao património cultural dos demais Estados-membros da União Europeia pode ser limitada às categorias de objectos relacionadas nos actos de direito comunitário, admite uma leitura que pode ser mais prejudicial para os Estados-membros do que o aplicável a Estados terceiros, mas, a norma não pode ser aplicada com esse sentido, tendo em conta o princípio comunitário do aprofundamento do mercado interno e de que a excepção à livre circulação de bens não pode ser justificada com fundamentos que discriminam os Estados-membros em favorecimento de Estados terceiros. Por outro lado a limitação da aplicação da Directiva a esses bens não significa a limitação do dever de devolução, mas, a sujeição do regime da devolução dos bens não abrangidos pela Directiva ao demais direito internacional ou nacional, vigente.

[47] A referência da norma a “Estado de onde o bem tenha saído ilegalmente”, não deve excluir: i) as situações em que o bem saiu legalmente, mas que em violação da licença de saída concedida nesse Estado não foi devolvido; ii) as situações em que o Estado legítimo do bem cultural é distinto do Estado de onde tenha saído ilegalmente. Quer dizer, no conflito entre vários Estados de onde o bem tenha saído ilegalmente deve prevalecer a devolução àquele Estado que deve ser considerado como tendo a legítima soberania sobre o bem.

[48] Nos termos do art. 5.º da Directiva 93/7/CEE entre Estados-membros da União Europeia o Estado-membro requerente, se optar pelo meio judicial, deve intentar no tribunal competente do Estado-membro requerido uma acção judicial contra o possuidor, ou na falta deste, o detentor, para a restituição de um bem cultural que tenha saído ilícitamente do seu território. A afirmação de que caso a acção de restituição seja entre Estados-membros da União Europeia esta não procederá sem que esteja provado que o bem saiu ilicitamente do território do outro Estado-membro e que este pressuposto não é aplicável quando a situação verifica-se com Estado-não-membro, é contrária ao princípio já enunciado de aprofundamento do mercado interno entre os Estados-membros.

[49] Neste aspecto é importante mencionar o art. 55.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2001 que determina como bem móvel integrante do património cultural aquele que: i) seja conforme à definição de bem cultural do art. 14.º, n.º 1 da mesma lei; e, ii) embora não seja de origem ou de autoria portuguesa, se encontre em território nacional. Deve entender-se que a Lei n.º 107/2001 não define apenas os bens que integram o património cultural nacional e que a definição do âmbito de bem cultural móvel do património português pode corresponder ao n.º 1 do art. 55.º da desta Lei, mas, que deve considerar-se que o n.º 2 deste artigo não é critério para definir um bem como integrante do património cultural nacional para os efeitos de um pedido de restituição. Este entendimento ab-rogante tem uma maior relevância nas considerações internacionais sobre a reciprocidade do regime português da restituição de bens culturais.

[50] Note-se que a obrigação de comunicação de entrada de um bem cultural no território português, prevista no art. 68.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001 aplica-se aos bens culturais classificados, inventariados e em vias de classificação, quer também aos não classificados nem inventariados, pelo que a precisão da definição jurídica do conceito de bem cultural encontra aqui outra manifestação da sua necessidade.

[51] No entanto, os bens objecto da Directiva 93/7/CEE não correspondem, pontualmente, aos bens objecto do Regulamento n.º 116/2009. Note-se ainda que a norma do art. 2.º, 2§ do Regulamento prevê a possibilidade de isenção do dever de apresentação de licença de exportação relativamente a bens culturais constantes da categoria A1 do respectivo Anexo I com um um valor arqueológico ou científico reduzido e que não sejam produto directo de escavações, descobertas ou estações arqueológicas de um Estado-Membro e cuja presença no mercado seja legal – o que não tem correspondência no âmbito da Directiva.

[52] Note-se que, ao contrário do processo de cooperação que é previsto como imediatamente aplicável pela autoridade central competente, o processo judicial é uma opção do Estado-membro, assim frizando-se o carácter não apenas, subsidiário, mas principal do processo de cooperação com vista à restituição de um bem cultural entre Estados-membros da União Europeia.

[53] A Directiva define como bens pertencentes a uma colecção pública os bens pertencentes ao Estado, a autoridade pública local ou regional, a instituição pública ou a instituição privada que seja financiada, de forma significativa por entidade pública.

[54] Distinção importante, dado o regime que a Convenção prevê para a restituição e para o retorno. Poderia dizer-se que a restituição é o processo entre o legítimo titular do direito sobre o bem cultural e o possuidor de um bem cultural obtido ilicitamente, e que o retorno é o processo entre o Estado que proíbia a saída do bem cultural das suas fronteiras e o actual possuidor do bem. Nestes termos, o regime vigente em Portugal, assim como o previsto pela Directiva seriam apenas o do retorno de bem cultural, dado que devolvido o bem à sua soberania será, depois, nesta que deve ser tratada a devolução ao seu legítimo proprietário. No entanto, a ideia de que uma convenção internacional não contém, por princípio, direitos directamente exercíveis pelos cidadãos dos Estados vinculados prejudica a distinção nestes termos e favorece a distinção segundo o critério enunciado no texto.

[55] A Convenção abrange como colecção pública qualquer conjunto de bens culturais inventariados ou, por qualquer forma identificados, pertencentes a: a) um Estado Contratante; b) a uma autarquia, regional ou local, de um Estado Contratante; c) a uma instituição religiosa situada num Estado Contratante; d) a uma instituição estabelecida num Estado Contratante com fins essencialmente culturais, pedagógicos ou científicos e aí reconhecida como sendo de interesse público.

[56] Note-se que, sendo lícita a exportação o Estado requerente não pode exigir que o bem lhe seja devolvido, sem que isso seja considerado improcedente por violação do dever de boa fé e, poder constituir abuso de direito, nomeadamente, venire contra factum proprium, que se verifica pelo anterior comportamento que autoriza a exportação do bem, contraditado com o posterior comportamento que exige a devolução do bem ao seu território, salvo nos casos em que, como previsto na Convenção, a licença de saída obrigue à devolução dentro de certo prazo e este tenha decorrido sem que o dever tenha sido cumprido.

[57] Note-se que o regime do retorno, ao contrário do da restituição, nos termos do art. 7.º, n.º 1 da Convenção não é aplicável às situações em que: a) a exportação do bem cultural deixou de ser ilícita no momento em que o retorno é pedido; ou b) naquelas em que o bem foi exportado em vida da pessoa que o criou ou no decurso de cinquenta anos após a sua morte, excepto na situação em que o bem cultural haja sido criado por um membro ou membros de uma comunidade autóctone ou tribal a fim de ser utilizado segundo as suas tradições e os seus ritos e deva ser devolvido à mesma comunidade.

[58] Partindo do pressuposto previsto no art. 1.º, alínea b) da Convenção de que o retorno aplica-se apenas aos bens culturais ilicitamente exportados.

[59] Pretende-se que a ilícitude da utilização de um bem cultural neste âmbito reverta inteiramente sobre a idoneidade da entidade que propôs-se a comercializar os contratos relativos a essa utilização, responsabilizando-a pelo cumprimento da lei a fim de manter o seu legítimo direito de prosseguir, sem suspensões sancionatórias, a sua iniciativa económica. No regime da informação obrigatória, no âmbito do mercado de investimento em bens corpóreos, deve ter-se em conta que certa informação pode ser a alma e a justificação do negócio enquanto se mantiver secreta e que pode haver uma justificada necessidade de ponderar os deveres de informação ao mercado, ou mesmo ao público para além do mercado, sob pena da própria possibilidade da existência deste mercado. Por exemplo, a informação da localização de um determinado bem perdido há anos, da existência do qual só se ouviam histórias fantasiosas cuja descoberta implica avultados investimentos que tendo sucesso resultam em grandes ganhos, convém que se mantenha, suficientemente secreta. Caso contrário, outros virão beneficiar, à boleia, do investimento privado em investigação já desenvolvido. No entanto, é bom que o objectivo ou a estratégia da empresa em investir em actividades deste nível de risco seja transparente e conhecido no momento do investimento pelo investidor em contratos com estes objectos.

[60] Esta informação pode ser relevante para efeitos do risco de retorno ou de restituição.

[61] Art. 15.º, n.º 1 da Lei n.º 47/2004, os bens culturais incorporados são obrigatoriamente objecto de elaboração do correspondente inventário museológico. Distinto do inventário museológico são o inventário geral do património cultural, art. 61.º da Lei n.º 107/2001; o inventário de bens particulares, art. 62.º da Lei n.º 107/2001; e o inventário de bens públicos previsto no art. 63.º da Lei n.º 107/2001; com os quais, nos termos do art. 16.º, n.º 3 da Lei 47/2004 aquele deve ser compatível.

[62] O art. 84.º, n.º 1 e n.º 2 não prevêm, necessariamente, como titular activo da cedência temporária pessoas que sejam museus ou que sejam entidades públicas.