Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade

Marco Binhã/ Maio 26, 2006/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito do Trabalho

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Breve Exposição sobre o Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade

Introdução

 

Vigora no ordenamento jurídico-constitucional do Estado português o direito ao desenvolvimento da personalidade, plasmado texto constitucional, no artigo 26.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, pela revisão operada com a Lei Constitucional 1/97.

Todavia este não é um direito, apenas chegado em 1997, a este ordenamento.

Neste trabalho queremos mostrar o valor da dignidade da pessoa humana e a sua importância, para o reconhecimento de um direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade. “Livre” é adjectivo que no art. 26.º, n.º1, enunciado foi omitido e que não é indissociável de um direito ao desenvolvimento da personalidade. No entanto que é livre o direito ao desenvolvimento da personalidade num ordenamento jurídico que tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, é inegável.

Apesar da importância que damos às garantias do respeito pelo direito à personalidade e à livre actuação da pessoa humana, não nos ocupamos aqui delas, a não ser apenas para dar uma ideia geral do estado dessas garantias em certo momento histórico constitucional anterior á constituição de 1976. Não nos ocupamos também de demonstrar os direitos especiais á personalidade e à liberdade de actuação previstos nos vários textos constitucionais. Assim como, apesar de reconhecermos a importância dos deveres de prestação do Estado que visam o livre desenvolvimento da personalidade humana, não nos ocupamos destes, neste trabalho.

Tentaremos esclarecer a existência do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do seu conteúdo.

Esta breve exposição deve ser acompanhada da apresentação da sequência de slides em Powerpoint elaborada especialmente para o efeito.
Na Constituição Liberal

 

A constituição Política Portuguesa, datada de 23 de Setembro de 1822, dita Liberal, previa no seu artigo 1.º que era objecto da Constituição Política da Nação Portuguesa, a manutenção da liberdade de todos os portugueses. No seu artigo 2.º definia que para os efeitos constitucionais a liberdade consistia em não ser-se obrigado a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que a lei não proíbe. Nesta norma constitucional podemos dizer que encontramos um princípio de liberdade de actuação que se integra no conteúdo do direito ao desenvolvimento da personalidade, sem o esgotar.

Na sua formulação positiva, que é dizer, á contrario, este preceito revelaria que a liberdade, dentro dos limites da lei, consiste em fazer tudo.

As restrições que encontramos a este direito geral à liberdade de actuação, no próprio texto constitucional, são muitas, por exemplo, ao direito á propriedade, art. 6.º; à livre comunicação dos pensamentos, art. 7.º, estabeleciam-se restrições gerais ao direito à liberdade de actuação, no art. 19.º. O texto constitucional era omisso quanto à situação geral dos estrangeiros e apátridas e sublinhe-se que a fórmula utilizada no reconhecimento do direito geral à liberdade de actuação, era “todos os portugueses”.

O artigo 10.º da Constituição de 1822, dispunha que a lei devia ser estabelecida apenas se necessária, especialmente a lei penal, assim como no artigo seguinte dispunha que a pena devia ser proporcionada ao delito.

 

Na Carta Constitucional

 

Desta constituição de 1822, para a Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826, para este tema em particular, não verificamos grandes alterações a assinalar, excepto na localização sistemática dos preceitos sobre os direitos dos súbditos, pois aqui são dispostos apenas no último artigo, e é no art. 145.º, § 1.º que vamos encontrar com a mesma formulação da Constituição anterior o direito geral à liberdade de actuação.

Devo frisar que ao mesmo tempo que se atribuía este direito geral à liberdade de actuação, não se dispunham condicionantes a futuras restrições a este operadas por qualquer acto com força de lei do Estado, sendo que a única restrição era mesmo esta, só por acto legal é que a Constituição permitia a restrição para além do que a Constituição já restringia.

 

Na Constituição jurada pela Rainha

 

Na Constituição de 4 de Abril de 1838, o direito geral à liberdade de actuação, volta aos primeiros artigos, é o art. 9.º e a formulação é a mesma da Constituição de 1822.

Verificam-se maiores esclarecimentos no texto constitucional de alguns direitos à liberdade de actuação que são especialmente previstos, todavia, no que respeita ao nosso tema não é inovadora relativamente às anteriores.

Designa o Título III, onde se encontra o art. 9.º, como “Dos direitos e garantias dos portugueses”, mas a formulação do art. 9.º, parece não restringir-se aos portugueses: “Ninguém”.

 

Na Constituição Republicana

 

A Constituição dita Republicana, de 21 de Agosto de 1911, estabelece no seu art. 3.º, 1.º, o direito geral à liberdade de actuação com a mesma formulação que todas as constituições anteriores do Estado português. Também não estabelece condições à restrição deste direito geral à liberdade de actuação, a não ser a forma de lei.

Apesar de no que respeita ao direito geral à liberdade de actuação, a formulação ser idêntica, quanto aos direitos à liberdade de actuação especialmente previstos, é nítida a evolução desde 1822, a 1826, a 1838, para aqui 1911.

A Constituição de 1911 garante essencialmente os mesmos direitos fundamentais a portugueses e a estrangeiros.

 

Na Constituição de 1933

 

A Constituição de 11 de Abril de 1933, também é clara ao atribuir aos estrangeiros essencialmente os mesmos direitos que aos estrangeiros.

Não se verifica nesta Constituição previsão do direito geral à liberdade de actuação, constante em todas as Constituições anteriores. O art. 8.º estabelece direitos especiais de liberdade de actuação e à personalidade. No entanto podemos ler no art. 6.º uma ideia de Estado totalitário.

O critério de legitimidade previsto este artigo 6.º, da subordinação dos particulares ao geral, não é suficientemente claro, preciso e incondicional para podermos afirmar que verificamos aqui o estabelecimento de uma esfera de protecção da personalidade e actuação livre do ser humano, que seja tão ampla quanto o exige a dignidade devida ao ser humano. No entanto há aqui um dado novo. Verifica-se a necessidade de prever no texto constitucional um mínimo irredutível do direito à personalidade e à livre actuação, embora com contornos nada claros.

Deve-se sublinhar que esta constituição impressiona muito ao ser inequívoca na afirmação da subordinação da pessoa humana aos interesses gerais do Estado.

Na Constituição de 1976

 

Na Constituição aprovada a 2 de Abril de 1976, actualmente em vigor, a qual conta hoje com sete revisões, estabelece no seu artigo 1.º desde o texto original, que Portugal baseia-se na dignidade da pessoa humana, sendo este sistematicamente um dos Princípios Fundamentais desta Constituição. Assim sendo é a pessoa humana e a devida dignidade respectiva que se encontra “acima” dos interesses do Estado. É o reconhecimento do Homem como um fim em si mesmo e a proibição da funcionalização do ser humano aos interesses do Estado ou da Comunidade, qualquer que seja em que este, neste ordenamento jurídico, esteja inserido. Ou seja a CRP de 76, começa com o reconhecimento de um direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade.

É expresso no texto constitucional, aqui como nas anteriores constituições do séc. XX, que os estrangeiros gozam essencialmente dos mesmos direitos fundamentais à personalidade e à liberdade que os portugueses.

Como dignificação dos direitos, liberdades e garantias da pessoa humana, estabelecem-se condicionantes ás leis que os vierem restringir. Não estando aqui a pessoa humana sujeita tanto quanto em todas as constituições anteriores ao atrofio da sua personalidade por meio de lei restritiva dos direitos fundamentais.

Se o respeito reconhecido à dignidade da pessoa humana, formal ou sistematicamente, não é um direito, liberdade e garantia, dado que encontra-se fora do Título II “Direitos, Liberdades e Garantias”, ver art. 17.º. Certo é que deve ser considerado análogo a estes e beneficia inequivocamente deste regime que condiciona as restrições, sem prejuízo de beneficiar de regime mais protectivo, dado que é um princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico constitucional. De qualquer modo é um princípio com conteúdo perfeitamente análogo aos constantes do Título II que protegem e reconhecem o respeito pela personalidade do ser humano e à sua livre actuação.

Ainda tendo em conta o texto original da CRP, no título II, vemos no art. 24.º que a vida humana é inviolável, no art. 25.º que a integridade moral e física é também inviolável, o art. 27.º que todos temos direito à liberdade, se dúvidas houvesse quanto á analogia do princípio da dignidade da pessoa humana com os direitos previstos no Título II.

O art. 69.º, n.º1 estabelece um dever de protecção por parte do Estado e da família, com vista ao desenvolvimento da personalidade da pessoa humana na idade de criança; e o art. 70.º, n.º2 estabelece que a política da juventude deverá ter como objectivos prioritários o livre desenvolvimento da personalidade dos jovens, o gosto pela criação livre…; são expressos direitos ao livre desenvolvimento da personalidade, embora limitados a determinadas etapas do desenvolvimento da vida humana, à infância e à juventude. Não são, portanto, direitos gerais ao livre desenvolvimento da personalidade. Estes direitos que podem ser considerados de direitos mais de protecção do que à liberdade de actuação[1], também completam o direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

Todos os direitos fundamentais à liberdade de actuação e mesmo os ao desenvolvimento da personalidade, não excluem a conclusão por um direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade, pelo contrário, o facto de estarem expressamente previstos reforçam esta conclusão no aspecto especialmente previsto, na imediatividade e clareza de entendimento e aplicação.

Por outro lado são por esta conclusão reforçados no que respeita às dúvidas de interpretação que portanto devem ser resolvidas no sentido do favorável ao direito à personalidade e à liberdade de actuação.

Um direito geral de protecção da personalidade e da liberdade de actuação, favorece, ao contrário da existência somente de direitos à personalidade e à liberdade de actuação especialmente previstos no texto constitucional, a adopção de uma posição ampla sobre o conteúdo desse direito à personalidade e à liberdade de actuação da pessoa humana, em detrimento de uma posição restrita ou fechada do direito à personalidade e à liberdade de actuação restrito aos comportamentos que se integrem num núcleo delimitado pela respectiva importância para a formação e expressão normal da pessoa humana.

De um direito geral à personalidade e à livre actuação do ser humano, resulta também a exigência para com o Estado de no exercício da sua actividade de regulamentação de aspectos sociais da comunidade e da actividade prestacional que lhe incumbir, ter em conta a autonomia do individuo, a pessoa humana como centro autónomo de decisão, a autonomia privada ou da vontade, que mais não são do que a personalidade e a liberdade de actuação da pessoa humana. Quer dizer que ao estabelecer um quadro jurídico normativo deve permitir essa autonomia e ao prestar bens à pessoa humana, deve cuidar de não a induzir em dolência e acomodação, mas apenas prestar o adequado e necessário ao exercício da liberdade de actuação, segundo a vontade da pessoa beneficiada com a prestação, a intervenção estadual deve ser obra normal de desenvolvimento humano e não caridade, pode-se ler na Encíclica Centesimus Annus.

No que respeita às relações civis a interpretação mais razoável de um direito geral de personalidade e de livre actuação exige que se reconheça o máximo destes direitos a cada um, significando isto que a limitação neste particular deve ter em conta o valor do bem tutelado em causa, em confronto com o outro, a existência de alternativas, a escolha pela limitação menos gravosa e a previsibilidade da eventualidade daquela limitação naquela relação.

A revisão do preceituado original do art. 26.º, n.º1 da CRP, veio assim na perspectiva aqui explanada, esclarecer que o direito ao (livre) desenvolvimento da personalidade, também, é, inequivocamente, um direito, liberdade e garantia.

 

Bibliografia:

 

  • Martins, Margarida Salema D’ Oliveira “O Princípio da Subsidiariedade em Perspectiva Jurídico-Política” Coimbra Editora, 2003;

 

  • Miranda, Jorge, “As Constituições Portuguesas”, reimpressão, Livraria Petrony, 1981;

 

  • Pinto, Paulo Cardoso Correia da Mota, “O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade” in: “Portugal-Brasil: ano 2000”, de António de Pádua Ribeiro, Coimbra Editora, 1999;

[1] Na medida em que estes preceitos estabelecem uma esfera de liberdade são direitos, liberdades e garantias, por analogia.