Checks and Balances no Sistema de Governo da Guiné-Bissau

Marco Binhã/ Agosto 19, 2015/ Areas de Atuação, Direito Constitucional

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Checks and balances

no Sistema de governo da Guiné-Bissau

1.     Intróito

O presente artigo contém no seu título uma expressão muito comum em ciência política quando se trata dos cuidados que cada cultura, civilização, comunidade, nação, associação, tem ao organizar o seu poder soberano.

“Checks and balances” é uma expressão oitocentista do constitucionalismo norte-americano significa muito literalmente “verificação e correção”.

As questões de sistema de governo surgem com naturezas distintas nos domínios políticos e nos domínios societários. Nos primeiros trata-se do exercício de poderes soberanos, da formação e manifestação de decisões sobre tudo o que pode interessar à vida das pessoas abrangidas, que assim, apesar de serem estas as detentoras do efetivo poder soberano, estão sujeitas a esse exercício de poder sobre elas desde que este aconteça pela forma organizada por estas. Nos segundos trata-se do exercício de poderes sobre coisas que são colocadas em comum, ou ditas em sociedade. É uma diferença de nível, ou de domínio: supra-individuo para inter-individuos.

Ressalvadas estas diferença conceptuais, a importância dos checks and balances numa e noutra é evidente.

A teorização do sistema de governo surge em distintas formas de estado, quer estados unitários, quer federais, têm questões próprias de sistema de governo. O mesmo não se verifica quanto às distintas formas de governo ou de sistema político.

Para que se levantem questões de sistema de governo é necessário que se verifique que o poder soberano é detido pelas pessoas, sujeitas a esse mesmo poder; e que estas criem um conjunto de instituições que encarnem, pelo menos, a clássica divisão do poder soberano em legislativo, executivo e judicial. Verificando-se a concentração do poder soberano numa pessoa, família, partido ou instituição, como por exemplo numa monarquia absoluta, ou numa república autoritária, com exclusão do reconhecimento do poder soberano dos súbditos não haverá aí problemas de sistema de governo e nestas formas de governo ou de sistemas políticos em que os cidadãos perderam o poder soberano de que são titulares para que o recuperem deve operar nessa comunidade uma revolução do poder para que o povo organize novamente as suas instituições às quais pretende se sujeitar.

Nos sistemas políticos democráticos o poder soberano deve ser exercido em conformidade à organização política determinada pelos cidadãos, pela forma que estes estabeleceram, pois, em democracia são sempre, a todo o momento, os cidadãos os titulares do poder soberano, e em república são todos súbditos do que é coisa pública, principalmente os que encarnam, por qualquer razão que seja, instituições soberanas.[1]

Numa República Democrática quando um titular de uma instituição soberana forma uma decisão e a manifesta na prática deve fazê-lo em todos os seus momentos em plena obediência a quem está a exercer o poder soberano, que são os cidadãos e isto acontece com o respeito pelos pressupostos, procedimentos e finalidades, que estes, directa ou indiretamente, estabeleceram.

Numa república democrática os cidadãos, conformando-se ou não com a prática das instituições soberanas, não carecem de operar uma revolução para sanear o exercício do poder soberano.

Numa república democrática surgem naturalmente, e com primor, as questões de checks and balances, e a consequente procura de criação de instituições e de dotá-las de poderes e de conformá-las a procedimentos para o assegurar. Tal é disposto, normalmente, por escrito, numa Lei Magna, também chamada de Lei Fundamental ou de Constituição.

Numa república democrática se a instituição é boa, mas circunstancialmente verifica-se que não está a servir como é seu dever, ou seu propósito, os interesses dos cidadãos e é apenas o seu funcionamento, ou alguns aspetos do seu funcionamento, que carecem de ser sanados, corrigidos, esclarecidos, redirecionados, devem funcionar os checks and balances determinados pelos cidadãos nessa lei fundamental, lei magna, lei fundamental, para assim ser sanado o funcionamento dessa instituição boa. No limite dos checks and balances, num quadro de vigência constitucional democrática estará o novo exercício do poder soberano dito originário pelo meio institucionalizado do voto, em eleições, em referendos, etc…

Enquanto a Constituição está a ser cumprida são os cidadãos que estão a exercer o poder soberano. No limite, numa república democrática, quando as instituições deixam de todo de servir o interesse determinado nessa lei fundamental verifica-se uma situação tal de coincidência inaudita, imprevisível, que deve resultar na desordem pública, num vazio do exercício do poder soberano que deve ser sanado com um novo exercício radical do poder soberano dito originário.

É um introito, talvez, algo por demais extenso, abstracto, ou filosófico para um artigo online mas que espero sirva de guia, de balizas aos leitores, para assim formularem as suas próprias questões do domínio dos sistemas de governo.

Assim, com sentido crítico, melhor se aproveita a participação do leitor neste artigo.

Caso o introito tenha ficado apenas extenso, abstracto e filosófico, sem que com isso alcance no leitor o exercício do seu sentido crítico na leitura deste artigo, as minhas desculpas ao leitor pois o objetivo era servi-lo o que espero alcançar no próximo artigo.


2.     Forma de Estado e Sistema Político da Guiné-Bissau

Quem encarna a Guiné-Bissau, as suas instituições, todos os partidos e seus dirigentes, todos os ministros, dirigentes e funcionários públicos, agentes administrativos, militares, e principalmente, o seu povo – na vigência atual da Constituição aprovada e adoptada para vigorar como lei fundamental desde 16 de Maio de 1984, deve conformar-se ao princípio republicano do Estado, este é essencial na identidade da organização do poder político soberano do Estado da Guiné-Bissau.

A par do princípio republicano devem os mesmos conformar-se ao princípio de unidade do povo da guiné-bissau e, junto com este, ao princípio democrático da organização e funcionamento do poder político.

Assim o determina o artigo primeiro da Constituição, lei fundamental escrita da organização do poder político do povo da guiné-bissau, sobre o seu território.

Estes princípios podem ser discutidos, podem ser melhorados, mas enquanto vigorar a presente constituição, estes princípios formam a identidade da organização do poder político do Estado, e como tal devem ser cumpridos.

Quem não os cumprir não é digno de encarnar qualquer função mínima que seja nesse Estado.

É verdade que são vários os níveis de responsabilidade das funções num Estado e na mesma proporção a projeção dos efeitos do comportamento de quem está a servir a coisa pública, a tal res pública, teorizada no Antigo Egípcio, desenvolvida pela civilização clássica grega e melhor protagonizada pelos clássicos romanos donde do latim surgiu o termo República para o nosso léxico lusófono, mas são sempre nefastos os comportamentos que não respeitem a forma de estar republicana e democrática do Estado guineense.

São elementos essenciais duma República: i) a possibilidade de cada pessoa, cidadãos, membros do povo, poder aceder ao exercício institucionalizado do poder soberano; ii) a limitação temporal do exercício do poder soberano pela mesma pessoa; iii) a fiscalização do exercício do poder soberano pelos que encarnam as instituições soberanas.

Democracia, é um termo grego, que significa essencialmente o exercício do poder soberano pelo povo, direta, em democracias não representativas, como era por exemplo nas Cidades-Estado gregas no tempo de Sólon o estadista fundador da forma de governo democrática dos atenienses; ou representativas como é o caso de quase todas as democracias soberanas atuais em que o povo exerce o seu poder soberano pela eleição dos seus representantes na Assembleia dita Nacional ou Popular, ou ambas, Nacional Popular.

O povo pelo voto radicalmente define de com tendência perene a organização política soberana, máxima, fundamental, magna para, em seguida, conjunturalmente, por meio do voto em eleições, referendos, ou outras formas institucionalizadas ou não de participação política popular – por exemplo, a iniciativa legislativa por grupo de cidadãos, a manifestação pública, a reclamação no livro de reclamações de entidades administrativas, a opinião pública nos meios de comunicação, a opinião pública manifestada pela cultura, dança, música, literatura, pela atividade comercial e empresarial, pela migração, natalidade, etc. – determinar a interpretação do serviço à coisa pública que deve seguida por quem exerce no quotidiano os poderes e funções de soberania.


3.     Sistema de Governo da Guiné-Bissau

No capítulo do sistema de governo a Constituição institui na República Democrática da Guiné-Bissau como órgãos de soberania:

  1. O Presidente da República;

  2. A Assembleia Nacional Popular;

  3. O Governo;

  4. Os Tribunais.

A numeração não consta do texto constitucional, é apenas a ordem por que são enumerados os órgãos de soberania. Está assim expressa aqui no presente artigo porque apesar de ser apenas uma das ordens possíveis da enumeração dos órgãos de soberania é esta a ordem escolhida sistematicamente em toda a Constituição para a apresentação dos órgãos de soberania o que entendo como um sinal do valor, ou importância das responsabilidades (ou funções) em causa, e friso das responsabilidades (ou funções) e não das instituições em causa, pois as instituições citadas resultam todas do mesmo poder soberano que é divido, separado, por graus para servir os interesses de checks and balances que o povo instituiu e fez escrever nessa Lei Magna por meio dos seus representantes na Assembleia Nacional Popular Constituinte.

Um dos principais elementos deste sistema de governo é a independência de cada um dos órgãos de soberania, perante os demais. Esta independência, na constituição da república portuguesa é afirmada expressa e imediatamente no texto constitucional como interdependência, pois é disso que se trata. A independência dos órgãos de soberania não pode ser total, dogmática, plena, pois tal impediria o curso natural do poder soberano que na sua essência é só um e não quatro, ou vários. Não se entende a independência dos Tribunais se têm de respeitar as leis da Assembleia Nacional Popular, nem a do Presidente se está sujeito à decisão dos Tribunais, ou às iniciativas do Governo ou da Assembleia.

A independência dos órgãos de soberania, deve ser entendida nos termos em que a constituição coloca essa independência, nenhum órgão de soberania do Estado da Guiné-Bissau exerce o poder soberano que lhe compete de forma isolada, independente, dos demais órgãos de soberania, todos cooperam como o pedalar numa bicicleta para que sejam alcançados os propósitos de serviço à coisa pública determinada pelo povo, pelas suas várias formas de manifestação institucionalizadas ou não.

A independência dos órgãos de soberania, no respeito da interdependência que a Constituição exige, serve à melhor fiscalização de cada um dos órgãos de soberania pelo outro. Pois num cenário em que por partidarismos domina em todos os órgãos de soberania a presença dum mesmo dirigente, aí descaracterizamos o Estado, pois deixamos de ver o Estado guineense como uma república democrática, e será um Estado absolutista.

São alguns sinais desta independência:

  1. a eleição por sufrágio universal direto do Presidente (art. 64.º, n.º 1) e dos titulares dos cargos de deputados à Assembleia Nacional Popular (art. 77.º); atribuiu igualdade de legitimidade a ambas as instituições, o que permite a independência de um perante o outro para o exercício das respetivas funções de fiscalização recíprocas;

  2. a superação de veto presidencial sobre as leis da Assembleia Nacional Popular por voto favorável da maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções;

  3. a imunidade dos deputados à Assembleia Nacional Popular (art. 82.º);

  4. a incompatibilidade da acumulação simultânea do cargo de deputado com o de membro do Governo (art. 84.º, n.º 4);

  5. entre outros.[2]

São alguns sinais desta interdependência:

  1. a responsabilidade política, civil e criminal pelos atos e omissões que os titulares de órgãos de soberania pratiquem no exercício das suas funções (art. 32.º, art. 61.º, art. 72.º);

  2. a nomeação e a exoneração dos membros do Governo pelo Presidente da República (art. 68.º alíneas g a J, art. 69.º, n.º 1 alínea b, art. 104.º, n.º 2);

  3. a promulgação dos atos legislativos pelo Presidente da República (art. 68.º alínea s, art. 69.º, n.º 1 alínea c);

  4. a convocação extraordinária da Assembleia Nacional Popular pelo Presidente da República (art. 68.º alínea d);

  5. a ratificação dos tratados internacionais aprovados pela Assembleia Nacional Popular (art. 68.º alínea e, art. 85.º, n.º 1, alínea h);

  6. a fixação da data de eleições à Assembleia Nacional Popular pelo Presidente (art. 68.º alínea f);

  7. a presidência do Conselho de Ministros pelo Presidente da República sempre que o entender (art. 68.º alínea m);

  8. a investidura pela Assembleia Nacional Popular do Presidente da Republica, prestando perante esta o respetivo juramento, (art. 67.º);

  9. a investidura pela Assembleia Nacional Popular do Governo, com a aprovação do Programa de Governo (art. 85.º, n.º 1 alínea d, art. 104.º, n.º 1, alínea b), assim como a aprovação pela Assembleia Nacional Popular do Orçamento Geral do Estado (art. 100.º, n.º 1 alínea c, art. 85.º, n.º 1 alínea g), de moções de confiança ou de censura ao governo (art. 85.º, n.º 1 alínea f), 85.º, n.º 3 a 5, art. 104.º, n.º 1 alínea d);

  10. a determinação pela ANP da organização judiciária e o estatutos dos magistrados (art. 86.º alínea g);

  11. o término do mandato dos membros do Governo com o término da legislatura, assim como a caducidade das autorizações legislativas da ANP ao Governo, com o fim da legislatura;

  12. entre outros.


3.1.         Presidente da República

O Presidente da República da Guiné-Bissau (PR) é eleito por sufrágio universal direto, dispondo assim de legitimidade democrática própria ou seja diretamente do povo, para o seu mandato de cinco anos renovável imediatamente uma vez. É investido no respetivo cargo pela Assembleia Nacional Popular perante a qual presta o juramento a todo o povo de defender a Constituição e as leis, a independência e a unidade nacionais, e de dedicar a sua inteligência e energias ao serviço do povo, condensando o juramento o essencial do quadro de funções que deverá orientar o PR no exercício dos seus poderes.

O PR tem também funções ditas cerimoniais, mas estas não caracterizam o essencial da sua função, limitar o horizonte dos poderes presidenciais às funções cerimoniais é um equívoco. São funções desta natureza, por exemplo, a representação do Estado; a presidência do conselho de ministros; as funções de comandante supremo das forças armadas; as mensagens à Nação e à Assembleia Nacional Popular; o empossamento dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça; entre outras.

O PR tem a principal função de magistrado máximo do Estado devendo em todos os seus atos por comissão ou omissão, cerimoniais ou não, defender a constituição e as leis do Estado da Guiné-Bissau, principalmente, no exercício dos poderes de promulgação, veto, ratificação ou não ratificação de tratados internacionais, num nível quotidiano de atuação e num nível mais elevado de defesa da constituição e das leis, ou seja, em defesa do normal funcionamento das instituições tal como o povo a determinou desde logo na Lei Fundamental, nos seus preceitos, princípios e demais atos legislativos, exercer os procedimentos à sua responsabilidade de controlo e saneamento dos órgãos de governo.

No que respeita aos poderes de controlo do PR sobre outros órgãos de soberania, destacam-se os sobre o Governo.

Compete ao PR: i) nomear, dar posse e exonerar o Primeiro-Ministro, tendo em conta os resultados eleitorais e ouvidas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional Popular (ANP); ii) nomear e exonerar os demais membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro, e dar-lhes posse.

Assim entendendo-se que tendo em conta o normal funcionamento das instituições e essencialmente para esse propósito o PR deve escolher o Primeiro-Ministro. Não está o PR limitado nessa escolha à sugestão de qualquer força política, nem deve estar o PR nessa escolha limitado a deliberação de eventual partido político que o tenha apoiado com maior ou menor determinação na campanha que culminou na sua eleição para PR. A Constituição permite algum partidarismo noutros órgãos de soberania, mas pretende excluí-los do titular do cargo de PR, pois só com a exclusão desse carácter partidário pode ser alcançada pelo PR a independência devida para a fiscalização que lhe compete sobre os demais órgãos de soberania com carácter partidário, nomeadamente, a Assembleia Nacional Popular e, em grau variável, o Governo.

Para o propósito de alcançar o funcionamento normal das instituições o PR deve nomear um Primeiro-Ministro que possa não apenas chefiar o Governo mas liderá-lo para que a sua composição, programa e atuação mereça o voto favorável da Assembleia Nacional Popular. Desde logo na aprovação do Programa de Governo, posteriormente em várias matérias do quotidiano da atuação do Governo que cada vez mais os tempos de atuação e complexidade das matérias fazem remeter para o maior pragmatismo e celeridade da sua atuação; e periodicamente para a aprovação do Orçamento Geral do Estado, instrumento determinante para a atuação quotidiana governativa.

Para o mesmo propósito de manter o funcionamento normal das instituições o PR tem a função de demitir o Governo, e aqui a Constituição, não obriga a que o Governo seja demitido necessariamente na sua forma colegial, que assume por exemplo em Conselho de Ministros. A Constituição no âmbito dos poderes do PR refere-se numa disposição à exoneração do Primeiro-Ministro, e noutra a restantes membros do Governo (art. 68.º, alíneas g e i). Refere-se ainda a Constituição numa disposição que a demissão do Primeiro-Ministro acarreta a demissão do Governo (art. 104.º, n.º 1 alínea c). Não exigindo a Constituição a integral coincidência entre a forma colegial do Governo e a sua forma singular, pela qual cada membro do Governo, constitui o Governo no seu ministério. Podendo assim o PR decidir por substituir membros do Governo sob proposta do Primeiro-Ministro, assim dando lugar às chamadas remodelações ministeriais. A demissão parcial do Governo se incluir o PM implica a demissão de todo o Governo.

A proposta do Primeiro-Ministro (PM) para a nomeação e exoneração dos demais membros do Governo é essencial para manter a liderança daquele sobre todos os membros do Governo. A iniciativa da intromissão do PR na composição do Governo é também admitida pela Constituição desde que tal intromissão tenha o consentimento do PM. Um dos corolários deste procedimento é que a confiança constitucionalmente exigida entre PR e PM para o normal funcionamento das instituições é maior do que a exigida entre o PR e os demais membros do Governo, devendo o PM como líder do Governo e responsável perante o PR, responsabilizar-se com o membro do governo cuja demissão seja sugerida pelo PR e apresentar a sua demissão ao PR, ou procurar corresponder às suas pretensões de modo que consiga garantir o normal funcionamento do Governo, o qual depende intrinsecamente da sua normal aceitação junto do PR.

Não estará o PM a garantir o normal funcionamento do Governo se não procurar corresponder às legítimas pretensões conforme interpretadas pelos competentes órgãos de soberania e manter o Governo que lidera a integrar, por exemplo, valores contrários aos princípios republicanos de serviço, conformação e respeito, à coisa pública e tal seja verificado pela forma institucional adequada, designadamente, pelo PR, ou ANP, ao interpretar politicamente a atuação do Governo perante a constituição e demais leis, ou pelos demais magistrados da nação ao interpretar civil, administrativa ou criminalmente a atuação do Governo.

Na graduação dos seus deveres o PR deve valorar sempre a defesa das instituições, nomeadamente, a Constituição e demais leis, acima do necessário respeito e compreensão que tenha para com o PM.

A confiança exigida entre PR e Governo é essencial para que o Governo possa com “desembaraço” desempenhar as suas funções. A distinção entre PR e Governo serve para que o PR possa fiscalizar e conformar o Governo à Constituição e às Leis. O PR deve ser a válvula de escape ao partidarismo das instituições de soberania, em especial nas situações em que um partido as domina. Não pode o PR ficar refém de interesses partidários, essa situação seria o sequestro da Constituição, dados os poderes de soberania que são conferidos ao Governo, sujeitos apenas à fiscalização do PR e da ANP (a qual pode ser dominado – e normalmente o é – por um partido político do qual resulta normalmente a indigitação do PM).

A presidência da república é uma instituição com um órgão singular, o PR, no qual se confia a principal função de defesa da constituição e das leis.

Apesar de órgão singular, e sem deixar de o ser, o PR deve consultar o Conselho de Estado, o qual corresponde a um órgão constitucional, de consulta não vinculativa, mas obrigatória para o PR em certos assuntos e facultativa nos demais.

É obrigatório para o PR o parecer do Conselho de Estado sobre a interpretação da situação de grave crise política que justifica o ato de dissolução da ANP; a interpretação da situação de grave crise política que justifica a demissão do Governo; a interpretação da situação que justifique a declaração de estado de estado de sítio e de emergência; e da interpretação da situação que justifique a declaração da guerra ou da instauração da paz (art. 75.º, 104.º, n.º 3).

O parecer do Conselho de Estado nestas matérias apesar de obrigatório não é vinculativo. O PR é que tem a legitimidade democrática e o dever de empenhar a sua inteligência e energias para como supremo magistrado da nação decidir pela melhor interpretação da Constituição e das leis.

Apesar do seu parecer não ser vinculativo a obrigatoriedade da sua consulta obriga a que o PR fundamente a sua decisão considerando expressamente a pronúncia do Conselho de Estado, sob pena de na prática não o ter ouvido como lho exigia a Constituição.

No sistema de governo da constituição o PR não responde politicamente a qualquer órgão. Desta norma resulta o corolário de que deve ser o PR o supremo magistrado da nação no que em matéria politica diga respeito, no que diga respeito ao normal funcionamento das instituições e defesa dessa normalidade constitucional e institucional.

O PR responde pelos crimes cometidos no exercício das suas funções, perante os órgãos de soberania judiciais, designadamente a sua instância judicial máxima, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Para tanto, dentro dos limites constitucionais e de ius cogens a ANP pode definir os crimes políticos que entender necessários à defesa dos valores constitucionais em face do PR.

A responsabilização criminal do PR perante o STJ é de tal forma incondicionada nos seus efeitos que a condenação por qualquer crime que seja implica a sua destituição do cargo e a sua inelegibilidade da sua imediata reeleição (art. 72.º). A responsabilidade criminal do PR parece ser de âmbito incondicionado, ao contrário da de um deputado, todavia, tal interpretação é equívoca, pois a responsabilização criminal do PR só pode ser apreciada judicialmente caso a maioria qualificada da ANP votar favoravelmente tal acção penal em face de suspeitas suficientemente concretas da prática de crime por parte do PR e entenda-se de crime grave que justifique tal “embaraço” ao normal funcionamento das instituições.

A interpretação da situação que justifica o desencadear do processo judicial penal que pode culminar na condenação do PR é determinada pela ANP, por proposta de um terço do total de deputados em efetividade de funções e aprovada por dois terços do total de deputados em efetividade de funções.

Pelo que não será iniciada semelhante ação penal contra o PR sem a iniciativa de uma maioria qualificada da ANP. A aprovação dessa iniciativa por essa maioria pode culminar na condenação judicial ou não do PR.

Os efeitos da não verificação judicial da situação de crime suspeitada por aquela maioria da ANP não estão expressamente previstos na Constituição. Mas entende-se que em semelhante situação deve ser avaliada pelo PR a necessidade de dissolução da ANP e a convocação de novas eleições legislativas, ou de apenas, por exemplo, proceder a comunicação de uma mensagem à nação e à ANP. O fiel da decisão do PR deve ser sempre a defesa da constituição e das leis, pela defesa das instituições e do seu normal funcionamento, é esse o seu dever, manter o Estado a funcionar normalmente com as suas instituições, tal como definido principalmente na constituição.

O STJ deve atuar em sede de responsabilização criminal do PR como válvula de escape ao partidarismo que pode dominar a ANP.

É um cuidado recorrente na constituição, um cuidado que deverá ter animado os constituintes, conscientes da possibilidade do eventual “sequestro partidário” e da necessidade desses cuidados em defesa do normal funcionamento do Estado, máxime dos seus órgãos de soberania, com a respetiva independência bem proclamada na constituição.

A ausência de responsabilização política do PR é comum nos sistemas de governo, em especial nos ditos semi-presidencialistas, ou semi-parlamentares.


3.2.        Assembleia Nacional Popular

A Assembleia Nacional Popular é um órgão colegial composto pelos deputados representantes de todo o povo, eleitos por círculos eleitorais, em sufrágio universal directo.

Cada deputado, não representa por si só a ANP, mas constitui um órgão de soberania singular com competências próprias. A ANP corresponde à vontade da maioria dos deputados, formada e manifestada em conformidade à Constituição.

Os deputados tomam posse ao ocupar o seu lugar na ANP e ao prestar juramento pelo qual se comprometem a representar com lealdade os interesses do povo, em especial os interesses, princípios e objetivos que o povo inscreveu na constituição.

Cada deputado tem o dever, em muito semelhante ao do PR de defender a Constituição, quer dizer o normal funcionamento das instituições definidas pelo povo na sua lei máxima, em especial no que respeita ao exercício do poder soberano.

Cada deputado tem o poder de interpelar o Governo, de forma oral ou escrita, com direito de resposta por parte deste no âmbito da sessão em que a pergunta foi formulada, ou no prazo de 15 dias por escrito, caso haja necessidade de investigações.

Os deputados devem eleger de entre si, o seu presidente e os demais membros da mesa da ANP (art. 84.º), por maioria simples.

O Presidente da ANP tem competências próprias acrescidas às de deputado, nomeadamente, deve presidir às sessões da ANP velando pela aplicação do regimento da ANP; convocar as sessões ordinárias da ANP; superintender e coordenar os trabalhos das comissões da ANP; assinar e ordenar a publicação no Boletim Oficial das leis e resoluções da ANP; dirigir as relações internacionais da ANP (art. 93.º); investir o PR nas suas funções (art. 67.º); participar no Conselho de Estado (art. 74.º, n.º1 alínea a); substituir interinamente o PR (art. 71.º, n.º 1 e 2); entre as demais funções.

O Presidente da ANP é a segunda figura de Estado a seguir ao PR, e representa a plenitude da legitimidade democrática do deputado à ANP.

Pela mesma maioria simples com que deve ser eleito o Presidente da ANP pode ser destituído pela ANP com fundamento em falta grave aos seus deveres (art. 83.º, n.º 2), o mesmo estende-se a qualquer outro deputado à ANP.

Após a eventual destituição do seu Presidente a ANP deverá eleger o novo Presidente nos termos normais. Nada na constituição impede que eleja o mesmo, a não ser o dever de cada deputado de defender a constituição e as leis, e assim o normal funcionamento das instituições. O deputado a ser eleito Presidente da ANP deve garantir o normal funcionamento das instituições, principalmente, o normal funcionamento da ANP com o PR, com o Governo e com os Tribunais.

A ANP é o supremo órgão legislativo e representativo do povo, tem competências para aprovar leis em todas as matérias, sendo que algumas matérias são da sua reserva legislar e, noutras, legislar em concorrência com o Governo, competindo-lhe especiais poderes de controlo político do Governo e de revisão dos atos legislativos aprovados por este, e até o poder de superar um veto presidencial e obrigar o PR a promulgar.

À ANP compete proceder à revisão constitucional, aprovada pela maioria qualificada de dois terços do total de deputados em efetividade de funções; decidir da realização de referendos populares, não dispondo a Constituição de condicionamentos ao âmbito dos referendos e ao seu efeito vinculativo, ou não vinculativo, quanto à ANP, ou a outros órgãos, sendo que os referendos populares terão por princípio um efeito consultivo; fazer leis e votar moções e resoluções; aprovar os tratados sobre determinados assuntos, designadamente, a participação da Guiné-Bissau em organizações internacionais, amizade, paz, defesa e de retificação de fronteiras e ainda aprovar os demais tratados que o Governo entenda submeter-lhe; pronunciar-se sobre a necessidade da declaração de estado de sítio e de emergência; apreciar as contas do Estado; conceder a amnistia; entre outros.

Entre os assuntos que são da reserva exclusiva da ANP legislar, inclui-se: a nacionalidade; o estatuto da terra e a forma da sua utilização; a organização da defesa nacional; o sistema monetário; a organização judiciária e o estatuto dos magistrados; a definição de crimes, penas e medidas de segurança e o processo criminal; o estado de sítio e o estado de emergência, a definição dos limites das águas territoriais e da zona económica exclusiva; direitos, liberdades e garantis, associações e partidos políticos; sistema eleitoral.

São também da reserva da ANP, a prática de leis sobre os seguintes assuntos, podendo a ANP autorizar o Governo a praticar atos legislativos sobre estes assuntos, então sujeitos à posterior ratificação pela ANP: organização da administração central e local; estatuto dos funcionários públicos e responsabilidade civil da administração; expropriação e requisição por utilidade pública; Estado e capacidade das pessoas; nacionalização dos meios de produção; delimitação dos sectores de propriedade e das atividades económicas.

Curiosamente no elenco de assuntos da reserva, exclusiva ou não, da ANP não consta legislar sobre a criação de impostos, competindo em concorrência à ANP e ao Governo legislar sobre este assunto.

A reserva da criação de impostos ao órgão representativo máximo é um clássico liberal, elemento fundamental do princípio conhecido por auto-tributação, segundo o qual grosso modo é o próprio povo, e apenas o povo, que determina os seus impostos.

Mais ainda compete à ANP na sua relação com o PR, dar-lhe posse, pronunciar-se sobre assuntos de consulta obrigatória do PR ao Conselho de Estado, com excepção da dissolução da própria ANP, devendo o PR considerar expressamente na fundamentação da sua interpretação a pronúncia da ANP sobre esses assuntos. Compete à ANP, por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efetividade de funções, como já acima vimos, o desencadear da ação judicial penal contra o PR que pode culminar na sua condenação e consequente destituição e inelegibilidade nas eleições presidenciais imediatamente seguintes.

Mais ainda compete à ANP na sua relação com o Governo, investir o Governo no exercício das suas funções pela aprovação por maioria simples do Programa de Governo. Caso a ANP não aprove em primeira apresentação o Programa de Governo, haverá lugar a uma segunda apresentação do Programa de Governo à ANP no prazo de 15 dias. Nesse período o Governo deverá procurar corresponder às pretensões da ANP que lhe garantam a aprovação do Programa de Governo. Caso o Programa de Governo não seja aprovado pela ANP em segunda apresentação, o Governo é por efeito automaticamente demitido pela ANP (art. 104.º, n.º 1 alínea b).

À ANP compete ainda nas suas relações com o Governo a aprovação do Orçamento Geral do Estado (art. 85.º, n.º 1 alínea g), instrumento preparado pelo Governo, mas, aprovado pela ANP, sem o qual o Governo não consegue desempenhar normalmente as suas funções. Devendo o PR apreciar a capacidade do Governo em garantir o funcionamento normal das instituições quando este não consegue a aprovação do orçamento geral do Estado junto da ANP e não apreciar a eventual dissolução da ANP por não conferir a aprovação ao Orçamento Geral do Estado.

Ainda compete à ANP na sua relação com o Governo, autorizá-lo a legislar em certas matérias da sua reserva (art. 87.º), bem como ratificar, ou não, o exercício do poder legislativo do Governo nessas matérias da reserva da ANP (art. 92.º, n.º 3).

Compete ainda à ANP deliberar sobre moções de confiança ao Governo, desde que formalmente solicitadas pelo Primeiro-Ministro, após deliberação do Conselho de Ministros (art. 85.º, n.º 3).

A moção de confiança é aprovada pela maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções. A não aprovação da moção de confiança é causa automática da demissão do Governo, assim como a aprovação da moção de censura pela maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (art. 104, n.º 1 alínea d).

A aprovação da moção de confiança ao Governo confere a garantia de que o Governo em causa tem condições para o seu normal funcionamento junto da ANP. A moção de confiança não blinda o Governo de ser demitido pelo PR. O Governo para cumprir a sua função deve garantir o seu normal funcionamento junto da ANP e do PR. Caso o PR entenda demitir o Governo que goza de recente moção de confiança da ANP, pode fazê-lo nos termos acima descritos.

Distinto da ANP são as forças políticas nesta representadas, as quais correspondem aos partidos políticos donde foram eleitos os deputados à legislatura em curso da ANP.[3] Nos termos constitucionais o PR deve considerar a pronúncia das forças políticas representadas na ANP na decisão de nomear e exonerar o PM (art. 68.º alínea g), bem como na decisão de demitir o Governo (art. 104.º, n.º 2).

A independência do deputado à ANP não prejudica a garantia do partido em envidar esforços junto dos seus membros para viabilizarem a atuação de um Governo liderado por uma personalidade independente ou apartidária que goza da confiança do PR para essa função – os chamados governos de iniciativa presidencial.

Perante um Governo de iniciativa presidencial a atuação da ANP deve conformar-se à Constituição e ao interesse público mais do que aos interesses do partido. O deputado deve representar o povo e não o partido.

Um Governo de iniciativa presidencial goza de igual legitimidade do Governo que resulta do partido vencedor na legislatura em curso e está sujeito à mesma fiscalização, de facto até maior, por parte da ANP, o que por sua vez reduz a sua margem de erro junto da ANP, ao contrário de um Governo que resulte do partido vencedor na legislatura em curso.

Observando certos limites temporais, pode o PR dissolver a composição em curso da ANP com fundamento em grave crise política, devendo para o efeito o PR considerar o parecer do Presidente da ANP, o parecer dos partidos políticos representados na legislatura em curso (art. 69.º, n.º 1 alínea a) e ainda considerar o parecer do Conselho de Estado (art. 75.º, alínea a) para fundamentar a grave crise política que justifica a dissolução da ANP.

A ANP deve cumprir as suas funções e zelar para que a constituição seja cumprida no seu seio e na atuação dos demais órgãos de soberania. No dissenso institucional entre ANP e PR nenhum dos dois órgãos, diga-se grosso modo, ganha.

A ANP pode desencadear a responsabilidade criminal do PR mas nada garante que venha a ter sucesso, assim como o PR pode dissolver a ANP e verificar na nova legislatura eleita que a força política com quem estava em manifesto dissenso voltou mais reforçada.

Em todas as situações de dissenso entre PR e ANP deve prevalecer o interesse do serviço à coisa pública, designadamente, a defesa da constituição desde logo pela procura do normal funcionamento das instituições.

Não se alcançando consenso entre PR e ANP sobre situações em litígio que prejudicam o normal funcionamento das instituições, por exemplo, quanto à nomeação de PM, o PR deve devolver o poder ao povo para que vote por uma nova composição da ANP e que da nova legislatura surja uma solução de consenso que permita o normal funcionamento das instituições.

Note-se que uma das limitações constitucionais à dissolução da ANP é a de que esta não pode ser dissolvida nos seus primeiros 12 meses, não podendo o PR dissolver consecutivamente a ANP à procura de uma composição com forças mais conformes à sua vontade.

A composição da ANP impõe-se obrigatoriamente ao PR nos primeiros 12 meses da legislatura. Não estará a permitir o normal funcionamento das instituições o PR que não consiga nomear um PM que goze da garantia de um normal funcionamento junto da ANP e deverá por essa razão encontrar um fundamento para a sua demissão com fundamento político, tal demissão do PR num primeiro mandato não impede a sua apresentação às eleições imediatamente seguintes.

Por outro lado a ANP que sequestrada por interesses partidários não permitir o normal funcionamento de um Governo poderá ser sancionada pelo povo nas eleições a que for sujeita após a sua dissolução.

3.3.        Governo

O Governo é o órgão executivo e administrativo supremo do Estado da Guiné-Bissau compete-lhe essencialmente conduzir o país de acordo com o seu programa aprovado pela ANP, em conformidade à constituição e demais leis.

O Governo é constituído pelo PM, o qual é o Chefe e Líder do Governo de que faz parte. Ao PM compete dirigir e coordenar a ação do Governo, assim como assegurar o seu regular funcionamento junto da ANP e do PR, tendo o PM especial dever de informação ao PR acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país (art. 97.º, n.º 3), assim como informar os deputados acerca dos assuntos sobre os quais estes o interpelem (art. 81.º).

A composição do Governo é determinada em primeiro lugar pelo PR ao nomear o PM, tendo em conta os resultados eleitorais e ouvidas as forças políticas representadas na ANP.

O PM é nomeado por escolha determinada pelo PR.

O PR ao formar a decisão de escolha do PM deve ter em vista dois critérios essenciais à luz da constituição: i) a escolha deve recair sobre um guineense com idoneidade e competências dignas à função que tenha a capacidade de reunir os demais membros do Governo igualmente todos guineenses, com idoneidade e competências dignas às respetivas funções e liderá-los na condução das políticas do país; e ii) essa pessoa deve conseguir liderar o Governo com vista ao seu normal funcionamento junto da ANP e do PR.

Um pressuposto essencial é que o PM deve ser da confiança do PR, é a própria constituição que exige a existência de confiança especial entre PR e PM, como acima já referido. Essa confiança é a expressão da legitimidade que o PR empresta ao PM.

O PM não é eleito por sufrágio, nem é determinado direta ou indiretamente pela força política que alcance a maioria na legislatura.

A legitimidade do PM não resulta apenas da legitimidade que lhe é emprestada pelo PR, resulta também da legitimidade que lhe é emprestada pela ANP.

A constituição proíbe a que um deputado possa ser membro do Governo, assim é impossível que se verifique, por exemplo, o Presidente da ANP a acumular em simultâneo as funções de PM e assim desvirtuar o equilíbrio de poder disposto na constituição.

A escolha do PM não é determinada pela ANP, nenhuma deliberação da ANP concorre para a escolha do PM. São as forças políticas representadas na ANP que são convocadas pelo PR para se pronunciarem sobre a escolha da pessoa para PM, tendo maior importância a pronúncia da força política com a maioria, pois a participação desta – apesar frisa-se a independência de cada deputado perante o partido pelo qual foi eleito não obstante depois a sua integração em grupos parlamentares – poderá garantir ao Governo o seu normal funcionamento junto da ANP.

A escolha do líder ou dirigente do partido político com a maioria na legislatura para PM é uma escolha comum nos sistemas de governo semi-presidencialistas, ou semi-parlamentares. Tal escolha visa obviar ao problema da normal condução do Governo junto da ANP, entende-se que o líder do partido maioritário pode determinar a formação da vontade dos deputados por si eleitos e assim, exógeno à ANP, dispõe de um poder que permite ao Governo a maior margem de manobra junto desta. Tal depara-se com um problema que a constituição acautela suficientemente que é o de um dirigente, o líder do partido mais votado nas legislativas, a dominar a ANP e o Governo, se este, por qualquer razão que seja, tiver ascendente sobre o PR, verificamos o domínio de um partido, ou de quase uma só pessoa, sobre todos os órgãos de soberania, ou seja sobre todo o poder soberano – incluindo o poder judicial, pois a sua composição depende em larga medida de determinações da ANP e do PR (art. 120.º, n.º 1 e 6, art. 125.º, n.º 3) – o que é a constatação do total falhanço dos checks and balances e do sistema de governo tal como disposto na constituição.

Na constituição compete à ANP, mas em especial ao PR, evitar o sequestro partidário das instituições.

Na sua morfologia o Governo tem uma natureza dupla: i) singular, pois cada ministro é o Governo no âmbito das suas competências e; ii) colegial por meio das deliberações em conselho de ministros. Na constituição o PR pode, sempre que o entender presidir ao Conselho de Ministros, o que evidencia no texto constitucional o ascendente que o PR deve ter sobre todo o Governo e, em especial, sobre o PM – com o qual deve se coordenar nesse exercício pois para o normal funcionamento das instituições tal prática não pode servir para substituir ou desvalorizar politicamente o PM.

O PR que perde a confiança em membros do Governo, mas que por razões que lhe são próprias a mantém no PM, note-se que a confiança exigida entre PM e PR é maior do que a exigida entre PR e os demais membros do Governo, pode manifestar publicamente a sua decisão de demitir o Governo com vista a que a nova composição do Governo, seja liderada pela mesma pessoa, mas com um programa de governo novo, sujeito a nova investidura parlamentar e a nova identidade coletiva junto dos órgãos de soberania e do povo que é a quem pertence o poder e não aos partidos que melhor ou pior os representem.

3.4.        Tribunais

Do já acima referido foram destacados os aspetos importantes dos Tribunais para o sistema de governo do Estado da Guiné-Bissau, ficaremos no presente artigo pelo já exposto.

3.5.        Conclusão

A constituição da Guiné-Bissau vigora há 30 anos, com percalços, mas tem feito um caminho que prova a sua suficiência para o quotidiano normal e para as chamadas crises políticas, como a situação atual à data do presente artigo e que muito determinou a que o mesmo fosse escrito.

Não são muitas as soluções para cada situação. Todavia, algumas delas são más e outras boas. Tal reduz o leque de possibilidades e amplia a capacidade de compreensão e de informação sobre cada uma.

Salvo melhor opinião.

Dr. Marco Binhã.

Barreiro, 19 de Agosto de 2015.

[1] A doutrina dominante decompõe a verificação de um Estado em três elementos: território, povo e organização política soberana, faltando qualquer um destes elementos, em especial a organização política independente, senhorial, soberana, desse povo sobre esse território, não estaremos perante um Estado.

[2] É um importante sinal da independência dos órgãos de soberania a exigência constitucional da separação do ato eleitoral dos órgãos de soberania, como existe, por exemplo, em Portugal e em Cabo Verde e que não se verifica na constituição da guiné-bissau. Este sinal promove a clarificação dessa independência em quem vota e nos efeitos dos resultados eleitorais. É uma exigência que deve ser sempre estabelecida ao nível constitucional e que julgo ser boa no sentido de que serve ao sistema de governo da guiné-bissau.

[3] As forças políticas representadas na ANP não correspondem necessariamente aos grupos parlamentares que se formam nos termos regimentais.