Bloco autónomo de frações de edifício
Marco Binhã/ Abril 28, 2020/ Areas de Atuação, Direito do Condomínio
Qual, a existir, a participação nas despesas comuns de condomínio de edifício, dos proprietários de parte autónoma do mesmo edifício, composta por garagens existente na cave, com administração, funcionamento e orçamento autónomo e distinto das demais frações?
Garagens essas delimitadas e definidas fisicamente com entradas autónomas, zonas comuns autónomas e saída direta para a rampa de acesso à via pública, sem nenhum acesso direto interno ao demais edifício, com contador de luz e respetiva instalação e funcionamento autónomo do demais edifício.
Antes da alteração do regime da propriedade horizontal por via do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de outubro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1995, ao direito de propriedade horizontal derivado do título constitutivo relativo à unidade de edifício correspondia unidade de regime. Ou seja, a um título constitutivo de propriedade horizontal corresponderia absoluta e necessariamente uma unidade de condomínio.
Todavia, o referido Decreto-Lei inseriu no Código Civil o artigo 1438.º-A, segundo o qual, o regime da propriedade horizontal pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou dealgumas unidades ou frações que os compõem.
Em sequência a jurisprudência dos tribunais superiores têm vindo a esclarecer que no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por mais de um bloco de frações com funcionamento e espaços comuns autónomos e distintos, não há proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que deva existir.
Não se vislumbra da lei alguma norma no sentido de que a referida solução só possa ser admitida no caso de o título constitutivo da propriedade horizontal especificar os elementos relativos a cada um dos aludidos blocos prediais, designadamente as frações em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afetas. Essa exigência não tem justificação porque as questões que se prendem com a regulamentação do uso, fruição e conservação de partes comuns não têm, em tais casos, de constar do título constitutivo da propriedade horizontal, cfr. se vislumbra do art. 1429.º-A do Código Civil.
Cada bloco de frações do condomínio poderá ter os seus órgãos próprios assembleia de condóminos e administrador com a finalidade de administrar as partes comuns respeitantes à respetiva zona do edifício, os quais poderão e deverão exercer todas as funções que a lei lhes confere, limitadas ao espaço em causa. Tal não é proibido por lei e poderá contribuir para uma gestão mais eficiente.
Resulta daqui o princípio de que deve cada um dos blocos de condomínios conter a sua atuação no âmbito dos respetivos espaços comuns. Não têm os condóminos de um dos blocos de frações, nem isoladamente, nem coletivamente nos órgãos próprios, direitos nos espaços comuns do outro, nem deveres.
A autonomia que caracteriza igualmente cada um destes blocos de frações resulta necessariamente na autonomia de direitos e deveres.
A existir direitos incindivelmente existirão os proporcionais e correspondentes deveres e a existir deveres existirão os proporcionais e correspondentes direitos.
Veja-se a este respeito: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2018; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/2012, 30/11/2015; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/5/2016.
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Nos termos do art. 1420.º do Código Civil, a qualidade de proprietário de uma fração autónoma, ainda que uma garagem, confere ao respetivo titular, também, uma parcela na compropriedade das partes comuns do edifício, tornando-se os dois direitos indissociáveis, incindíveis, o direito sobre a fração e o direito sobre as partes comuns.
Por sua vez, o n. 1 do art. 1424.º do Código Civil, sujeita o titular de tais direitos à obrigação de contribuir para as despesas de conservação e fruição das partes comuns e para o pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor das suas frações.
As despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício em propriedade horizontal (por exemplo, limpeza e pintura do prédio, substituição de elevadores) e fruição das partes comuns do edifício (por exemplo, despesas com eletricidade, água, artigos de limpeza) ao pagamento de serviços de interesse comum (por exemplo, portaria, manutenção de elevadores e jardins) são pagas por todos os condóminos que gozam dessas partes comuns proporcionalmente em função do valor das suas frações ou por igual, cfr. art. 1424.º, n.º 1 do Código Civil.
A lei estabelece claras exceções quando o interesse em causa – ainda que sobre uma parte legalmente comum do edifício – é exclusivo de algum ou alguns condóminos. Assim, por exemplo:
i)1424.º, n.º 3 do Código Civil: as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio quê sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem;
ii)1424.º, n.º 4 do Código Civil: nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas;
iii)1424.º, n.º 5 do Código Civil: nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.
As frações do condomínio correspondentes a garagens com a descrição acima referenciada, não partilham dos espaços comuns a que essas despesas dizem respeito, e que têm despesas próprias dos seus próprios espaços comuns, decompondo-se o edifício em dois blocos de frações com espaços comuns próprios, não devem participar nas despesas dos espaços comuns que lhes são alheios.
Pelo critério disposto na regra geral e nas normas excecionais que supra expomos exemplificativamente, resulta como critério que:
- na medida em que a despesa seja do interesse exclusivo de um dos blocos de frações do condómino a cujo serviço é afeto, este deve suportá-la exclusivamente. As despesas de conservação e de manutenção estritamente relacionadas com o uso normal e específico dessas partes, por serem eles os beneficiários exclusivos das mesmas, são estes que usam e fruem das mesmas e, em princípio, são eles que dão origem ao desgaste ou deterioração desses espaços comuns do condomínio; bem como que
- as despesas que excederem esse âmbito de interesse de uso, por envolverem, por exemplo a fachada ou a cobertura do prédio ou estiverem relacionadas com a estrutura do mesmo, ou relacionadas com deficiência na construção, são a cargo de todos os condóminos de todos os blocos de frações, por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles, e estas já têm necessariamente de ser integradas no regime geral consagrado no n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil.
Atendendo a que o bloco de frações de garagens tenha o seu orçamento próprio, entenda-se receitas e despesas para os seus espaços comuns, distintas do orçamento dos espaços comuns do outro bloco de frações, deve ser nas despesas do próprio orçamento que deve participar.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício da administração contratada para os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício da eletricidade contratada para os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício dos serviços de limpeza e respetivo seguro de trabalho, contratados para os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício dos serviços bancários contratados para os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício dos exercícios administrativos para os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício do exercício de contencioso de receitas do orçamento dos espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Se o bloco de frações das garagens não tem utilidade ou benefício da manutenção, conservação ou reparação das estruturas de esgotos, ou de água, que servem exclusivamente os espaços comuns do outro bloco de frações, não deve participar nessa despesa.
Mais dispõe o art. 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro que cada condómino contribui para o fundo comum de reserva obrigatório com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10% da sua quota parte nas restantes despesas do condomínio. Pelo que os condóminos do bloco de frações das garagens não estão obrigados a pagar para o fundo de reserva senão 10% do valor das despesas em que devem participar.
Os blocos de frações de condomínio devem coordenar entre si com vista à gestão dos espaços comuns que existam entre si, como será por exemplo no que diga respeito à fachada ou à cobertura do prédio ou estiverem relacionadas com a estrutura do mesmo, ou relacionadas com deficiência na construção. Estas são despesas que devem estar a cargo de todos os condóminos de todos os blocos de frações, por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles, e estas já têm necessariamente de ser integradas no regime geral consagrado no n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil, como acima se refere. Deve o referido bloco autónomo das garagens participar nestas despesas na proporção da respetiva permilagem, ou nos termos conformes ao art. 1424.º, n.º 2 do Código Civil.
Veja-se a este respeito: sentença do julgado de paz no processo n.º 205/2006-JP, de 30/5/2006; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/06/2016.
Estas e outras matérias sobre direitos e deveres do condomínio são mais detalhadas em publicações como as seguintes que sugerimos:
- “Condomínio – Direitos e Deveres – 2.ª edição revista e atualizada”, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, edição de março de 2016;
- “Um olhar sobre… AS REGRAS BÁSICAS DO CONDOMÍNIO” DECO PROTESTE, Editores, Lda., abril de 2006;
- CHAVES, João Queiroga “Direitos e Deveres dos Condóminos – Anotações – Legislação – Jurisprudência – Formulário”, Quid Juris, 6ª Edição, fevereiro de 2015.
s.m.o
Marco Binhã, Advogado.