Autotutela, Justiça Pública e Poderes do Estado
Autotutela, Justiça Pública e Poderes do Estado
Na Grécia Antiga, os litígios eram compostos por instituições que tinham essa função. Estas, da mais importante para a menor, em função da gravidade do atentado aos valores da comunidade, eram o Areópago, a Boulé, a Eclésia e os tribunais populares. Aqui existia a ideia de cidade-estado e os comportamentos antijurídicos eram tidos como ofensa á comunidade, ou melhor, ao estado.
Os romanos seguiram, mais ou menos, o atingido pelos atenienses, neste domínio, embora, se notasse neles uma menor confusão no exercício das funções do estado. Os pretores, eram magistrados, encarregados da administração da justiça. Certo é que tinham algumas funções, demarcadamente, administrativas, algo muito mais intenso do que os actos materialmente administrativos que os nossos juizes de hoje podem praticar. Na Roma antiga, mais do que em Atenas, se identificava o pretor como aquele que formulava consequência jurídica da situação lhe apresentada.
Na Grécia e Roma antiga, não posso precisar se existia ou não a proibição geral da auto-defesa ou auto-tutela dos direitos, mas pode-se afirmar que esse mundo estava dotado de instituições próprias para dirimir litígios em nome da cidade estado, comunidade, ou em nome do Império.
Na Idade Média, com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, a influência do direito romano sofreu acentuado decréscimo e com ele a existência de um poder centralizador forte – época feudal. Aqui a justiça era realizada, efectivada, pelos próprios ofendidos. Tínhamos, portanto, a existência de normas, essencialmente, consuetudinarias, que privilegiavam a composição dos litígios entre ofendido e ofensor ou agressor, sem a necessidade, sequer facultativa, de intervenção dos poderes públicos, que na realidade não existiam como tal, no máximo viria a intervir, na composição dos litígios, a comunidade local.
São desta data, institutos como a perda de paz relativa em que só o ofendido ou familiares do mesmo, podiam realizar a ‘vendetta‘, vingança; e a perda de paz absoluta, em que se transformava o ofensor ou agressor em inimigo público n.º1 e todos e qualquer um podiam-no perseguir e matar, dado que aqui o ofensor ou agressor perdia toda a sua esfera jurídica, incluindo o seu direito à vida. Os linchamentos públicos são reminiscências da idade média.
O Direito Romano ressurge no séc. XII, XIII.
No séc. XV já Jean Bodin, nos apresentava o conceito de soberania. Com este o estado forte centralizador surge e cada vez mais o soberano reclamará para si o poder de praticar a justiça. Esta intervenção, que de facultativa passou a obrigatória, dos poderes públicos no solucionar de litígios concretos entre os indivíduos, caracteriza a justiça pública, a sua falta caracterizará a justiça privada.
Nos séculos seguintes, entramos nos estados absolutistas que facilmente resvalaram para o despotismo. E é no séc. XVIII que encontramos Montesquiew a “pregar” o princípio da separação de poderes que, após a Revolução Francesa, com o constitucionalismo, se consolida e se afirma: a divisão das funções do estado e a separação, distinção, entre os órgãos com poderes soberanos, protege e garante os direitos dos particulares, por produzir um efeito de auto-controlo e de auto-limitação, por parte do estado, no exercício desses poderes.
O estado já não é o Rei. O Soberano deixaria de se identificar com o poder soberano. Poder soberano era, agora, o povo.
É verdade que antes do séc. XVIII, já o poder público só julgava se accionado pelos particulares, sendo que com a obrigatoriedade da sua jurisdição, quem praticasse a justiça privada em vez de se dirigir ao poder público, praticava um delito que o soberano condenaria como crime, mas, é a partir do séc. XVIII que, efectivamente, se firma, o conceito de indivíduo e de esfera jurídica dos particulares.
O art. 111.º da Constituição da República Portuguesa, estatui o princípio da separação de poderes. O art. 110.º indica quais os órgãos de soberania, ou com poderes soberanos: á Assembleia da República, o legislativo, ao Governo, o executivo, (ao Presidente da República, o moderador) e aos Tribunais, o jurisdicional.
O art. 1.º do Código de Processo Civil, proíbe a autotutela, o recurso á força, por parte dos particulares, com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito. O “salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei” compreende os institutos que pelo direito positivo admitem o uso da força por parte dos particulares para a efectivação do próprio direito, entre estes o direito de resistência, previsto no art. 21.º da C.R.P., a acção directa, art. 336.º do Código Civil, legítima defesa, art. 337.º, estado de necessidade, 339.º, entre mais uma ou outra excepção. As excepções ao princípio da proibição da auto-defesa, fazem questão de frisar que o seu exercício só é lícito se for impossível o recurso ao poder público para fazer valer o direito em causa.
O art. 20..º da C.R.P. estabelece, constitucionalmente, o princípio da tutela jurisidicional efectiva, em que para cada direito substantivo, corresponde, adjectivamente, o poder de desencadear um processo judicial de modo a que o poder público, nomeadamente, os tribunais, possam responder á pretensão do seu titular de fazer valer o direito em causa. Este processo deverá resultar numa resposta útil para a garantia e defesa do direito do particular.
O art. 203.º da C.R.P. que os tribunais são independentes e só devem obedecer ás leis, o art. 202.º que os tribunais administram a justiça em nome do povo e o art. 8,º, n.º1 do Código Civil, que o juiz não pode abster-se de julgar invocando a falta ou obscuridade da lei, desde que o caso sujeito à apreciação deva ser juridicamente regulado.
O Estado detém, em nome do povo, o monopólio do uso da força, coercibilidade, qualidade inerente à qualificação de uma norma como jurídica.