Revisão da Lei da Nacionalidade

Marco Binhã/ Agosto 30, 2005/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito da Nacionalidade

Em Julho último, o Alto Comissariado para a Imigração Étnica, ACIME, frisou uma vez mais a necessidade do debate público, que desde há muito é suscitado por várias organizações e associações, sobre a Lei da Nacionalidade. Fê-lo ao apresentar as suas propostas de alterações que considera devidas àquela lei.

A revisão dos critérios para a atribuição da nacionalidade portuguesa, especialmente no que respeita aos indivíduos, filhos de estrangeiros, nascidos e residentes em Portugal, é hoje, assim parece, um passo impreterível. A discussão sobre toda esta problemática está relançada, ficou suspensa durante as férias mas em Setembro inicia-se a legislatura da nova maioria na Assembleia da República, com a sua primeira sessão legislativa, dotada de uma maioria absoluta extraordinária e capaz, esperamos nós, de rever a Lei da Nacionalidade[1] de modo a que esta seja ajustada à realidade contemporânea de um mundo globalizado e o reflexo do acolhimento e sentido de integração que caracteriza a sociedade portuguesa e que esta fundamentalmente exige para os dias de hoje e de amanhã,  para tanto é importante o contributo esclarecido de todos da sociedade portuguesa, quer nacionais, quer estrangeiros, quer individualmente quer em associações, suscitando e alimentado com seriedade este debate nos seus devidos termos. Não obstante, com o cuidado de não deixar obnubilada a verdadeira questão, não deve ser centrado no tema da atribuição da nacionalidade toda a problemática das questões relativas à interacção da comunidade portuguesa com as comunidades estrangeiras no território português:

ter a nacionalidade portuguesa não é, nem deve ser, condição para que qualquer individuo possa desenvolver, em Portugal, a sua vida, em condições semelhantes às dos nacionais portugueses.

Entre as propostas institucionais de revisão da Lei da Nacionalidade, tornadas públicas, conhecemos as do Bloco de Esquerda, de 18.03.2004[2], as do Partido Comunista Português, de 21.10.2004[3] e as do Alto Comissariado para a Imigração Étnica, de 19.07.2005[4].

A primeira proposta do ACIME é especificamente para que os filhos de pai ou mãe nascido(a) e residente em Portugal, não tenham o mesmo problema que os seus pais e que lhes seja atribuída, sem quaisquer condições e de modo automático, a nacionalidade portuguesa originária.

Não há proposta do BE ou do PCP com alcance tão específico, mas há no sentido da revogação da condição de que um dos progenitores, o pai ou mãe, resida em Portugal de modo estável para que possa ser atribuída a nacionalidade portuguesa originária ao indivíduo nascido em Portugal filho de pai ou mãe não nascido(a) em território português mas aqui residente. O PCP mantém a exigência da declaração do indivíduo em querer ser português. A proposta do BE é no sentido do puro ios solii ou seja na atribuição automática da nacionalidade portuguesa originária a estes indivíduos nascidos em Portugal filhos de pai ou mãe residente em Portugal.[5]

O ACIME propõe ainda que a lei deixe de distinguir entre filhos de imigrantes dos PALOP’s e os filhos de imigrantes de outros países. Proposta esta que acompanha o disposto na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade[6]. Proposta idêntica apresenta o BE.

As propostas do ACIME e do PCP que ora analisamos defendem que como título válido, de que os pais estrangeiros devem ser portadores, exigido para efeitos de atribuição da nacionalidade originária aos respectivos filhos deve ser entendido não só a autorização de residência mas qualquer outro título que legitime a respectiva permanência em território português, nomeadamente visto de trabalho. Noutra proposta o ACIME afirma que o próprio texto da lei deve esclarecer que a verificação das condições exigidas à atribuição da nacionalidade originária reporta-se ao momento do nascimento do indivíduo e que a verificação daquelas condições ao momento em que é emitida a declaração apenas se deve manter para os casos de naturalização.

Pela consagração de um regime especial de naturalização que facilite, independentemente da concreta configuração legal da permanência no território dos progenitores, a naturalização dos indivíduos nascidos em Portugal e que neste território permanecem há mais de dez anos, é também a proposta do ACIME.

No que toca à aquisição da nacionalidade por naturalização todas estas três propostas, as do BE, do PCP e do ACIME, sentenciam que deve ser revogada a exigência da verificação de determinada capacidade económica ou de subsistência para que uma pessoa possa ser naturalizada portuguesa.

As mesmas propostas defendem que o estrangeiro que pede a naturalização e preenche as condições que forem exigidas, deve beneficiar da presunção de efectiva ligação à comunidade nacional, devendo o estado comprovar a falta desta ligação quando com esse fundamento opor-se à naturalização do indivíduo.

Quanto à atribuição da nacionalidade portuguesa por força do casamento a proposta do PCP é no sentido de revogar a exigência do casamento durar há mais de três anos para a possibilidade daquela atribuição mediante a exigida declaração. A proposta do BE é no sentido de diminuir o número de anos exigidos para dois.

O BE e o PCP propõem a possibilidade de atribuição da nacionalidade portuguesa a individuo que viva em união de facto com cidadão português, desde que, declarando querer a nacionalidade portuguesa, a união de facto dure há mais de dois anos e esteja reconhecida em sentença judicial.

Tendo em vista uma maior humanização do tratamento administrativo das questões respeitantes à atribuição da nacionalidade, e que seja encarada menos como um problema de polícia, propõe o ACIME que a competência decisória sobre os pedidos de naturalização e respectivo procedimento se transfira do Ministério da Administração Interna para o Ministério da Justiça.

Nenhuma destas três propostas visa alterações ao regime em vigor relativamente à nacionalidade de filhos de nacionais portugueses.

M. Binhã, 30.08.2005


[1] Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/94 de 19 de Agosto).
Pode ser consultada na Internet.

[2] Pode ser consultada na Internet;

[3] Pode ser consultada na Internet;

[4] Pode ser consultada na Internet;

[5] Tenho uma opinião sobre esta questão da exigência ou não da declaração do indivíduo em querer ser português. Esta declaração serve para afastar a presunção estabelecida de que o individuo que já tem uma nacionalidade, em princípio, não quererá outra. Esta presunção não é de manter e a exigência daquela declaração só faz sentido quando a atribuição automática da nacionalidade portuguesa originária implica pelo direito interno de que o individuo pelo direito de sangue é ou pode ser nacional a impossibilidade de adquirir ou manter essa nacionalidade. Este sentido restrito que proponho deve estar esclarecido no texto da lei.

[6] Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000. Publicado no DR n.º 55 SÉRIE I-A de 6 de Março. Pode ser consultada na Internet;

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