Direito de propriedade sobre terreno
Marco Binhã/ Outubro 10, 2021/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito da Propriedade
O presente parecer é escrito a fim de esclarecer os direitos de propriedade sobre terreno e sobre a casa de arrumos construída no mesmo terreno não registada autonomamente no registo predial, perante terceiro, nomeadamente proprietário de terreno contíguo que alega ter adquirido verbalmente com a aquisição do seu terreno direito de uso da referida casa de arrumos.
Nos termos do primeiro segmento do art. 204.º, n.º 2 do Código Civil entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica.
A construção que aqui se refere como casa de arrumos sem autonomia económica e que serve para guardar gado e ferramentas, é elemento que compõe o prédio rústico em que se encontra construída. Como tal o direito de propriedade sobre a mesma pertence absolutamente ao titular da propriedade rústica em que se encontra construída. A construção sem autonomia segue as vicissitudes do prédio em que se encontra inserida, na venda, na oneração e no exercício da propriedade. Não podendo tal construção ser objeto de inscrição autónoma em registo predial.
Se no imóvel com descrição no registo e matriz como prédio rústico for edificada uma casa de habitação – construção com incorporação no solo e autonomia económica –, sem alteração do registo, ocorre divergência entre a situação no registo e matriz e a realidade jurídica, por então se tratar de prédio urbano à luz do disposto no segundo segmento do art. 204.º, n.º 2, do Código Civil.
A proprietária de um terreno pode contratualmente emprestar serventias de uma construção que tenha edificado sobre um terreno rústico, este será um contrato sujeito no essencial ao regime do comodato, cfr. art. 1129.º e ss. Código Civil.
O comodato é intuito personae, não é transmissível. Caduca com a morte do comodatário (daquele a quem a coisa ou serventia foi emprestada), ou com a verificação do prazo contratualizado de fim, bem como caduca quando o comodatário não puder usar a coisa. Se não tiver sido estabelecido um prazo para o fim do comodato, ou determinadas as serventias específicas emprestadas, o comodatário é obrigado a restituir a coisa logo que lhe seja exigida pelo comodante, cfr. art. 1137.º e 1141.º, com os efeitos previstos no art. 1138.º todos do Código Civil.
A utilização gratuita ou onerosa da referida casa construída no terreno rústico não se transmite a terceiros. O terceiro adquiriu a propriedade sobre os bens que comprou, não adquiriu estas faculdades que foram prestadas por acordo a quem lhe vendeu. Os atos que o terceiro pratica sobre a referida casa são atos ilícitos sobre propriedade alheia, sem qualquer direito de propriedade ou contratual que legitime a atuação que refere este ter praticado sobre a casa de arrumos.
Mais, como acima é referido dada a falta de autonomia económica da casa esta não pode ser vendida ou adquirida em separado do rústico em que se insere. A propriedade sobre a referida casa não foi adquirida pelo terceiro, nem lhe podia ter sido vendida.
O proprietário “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”, cfr. art. 1305.º C. Civil.
O direito de propriedade é protegido com a ação de reivindicação, cfr. art. 1311.º C. Civil: “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.”
Pode fazê-lo por ação direta, retirando os bens do terceiro e impedindo-o de continuar a perturbar a exclusividade do proprietário, cfr. art, 1314.º Cód. Civil: “é admitida a defesa da propriedade por meio de acção directa, nos termos do artigo 336.º”.1
Pode fazê-lo por via judicial, por meio de providência cautelar comum, cfr. art. 379.º, n.º 3 Código Processo Civil e, em simultâneo ou em alternativa, ação judicial comum de reivindicação, carecendo para a via judicial dos comprovativos da propriedade designadamente, escritura e registo predial do rústico em que a referida casa se insere. As despesas com a restituição da coisa são em princípio encargos do terceiro, cfr. art. 1312.º do Código Civil.
Os danos que terceiro possam causar à propriedade, são ilícitos e justificam a indemnização do valor dos mesmos.
O facto do terceiro ter atravessado o terreno para fazer uma estrada para usar para o seu terreno, é ilícito, cfr. acima referido ao prejudicar a exclusividade do uso da propriedade pelo seu titular. Esta atuação só poderia ser lícita nos termos de servidão, cfr. aos arts. 875.º, 1547.º e ss. todos do Código Civil a qual a existir deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, ou de sentença judicial, ou ordem administrativa.
Como refere que na realização da referida estrada estavam crescidos pinheiros, esclareço que a eventual servidão que tivesse sido constituída a favor de outrem, caducaria entre outros motivos ao fim de vinte anos sem uso, qualquer que fosse o motivo do não uso, cfr. art. 1569.º, n.º 1, al. b) do Código Civil.
1 Artigo 336.º (Acção directa) 1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo. 2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo. 3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.