Breve Exposição sobre a vida humana e a eutanásia

Marco Binhã/ Abril 2, 2006/ Areas de Atuação, Direito Constitucional

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Breve Exposição sobre a vida humana e a eutanásia

 A vida humana é um valor que a ordem jurídica constitucional portuguesa, no art. 24.º da C.R.P., tutela como inviolável. Disposição esta que, inequivocamente, no âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, é a primeira disposição do Título II, da Parte I da C.R.P., é directamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas, entre outros aspectos do regime dos direitos, liberdades e garantias na nossa ordem jurídica constitucional.

Não era necessário que a ordem jurídica constitucional declarasse como valor fundamental a vida humana. A vida humana é a base de toda a actividade humana e, consequentemente, a base de todas as sociedades. Mais podemos acrescentar que a vida humana é um bem que se impõe ao homem, com perfeita evidência, em toda a sua essencialidade, não é preciso justificar a afirmação da fundamentalidade da vida humana para qualquer homem ou mulher, em qualquer sociedade.

Apesar de ser de igual evidência, vale a pena lembrar, que a vida de qualquer homem ou mulher, independentemente da idade, estado ou situação, não está na disponibilidade do próprio, nem está na disponibilidade do próximo. Não está, nem deve estar, não há aqui diferença entre o ser e o dever-ser. Afigura-se com bastante evidência que a vida humana não é criação dos homens ou das mulheres. Aos homens e ás mulheres é dado o poder de participar, através do acto sexual, mais controverso será através de técnicas científicas, na reprodução da vida humana. A actividade humana, baseia-se toda ela na vida humana que a permite. Se não considerarmos basilar de toda a actividade humana a vida humana, temos ao menos de respeitar, dada a evidência com que se nos apresenta, que a actividade humana tem como pressuposto intrínseco a vida humana que permite essa mesma actividade.

 

A concepção da não instrumentalização da pessoa humana faz todo o sentido quanto à relação dos homens entre si, quanto à limitação do poder humano para exercer face a outros homens, poder este que varia consoante o lugar que cada homem ocupe na estrutura de poder, na sociedade, mas que não deixa de ser poder ao alcance humano.

Ao dizermos que a pessoa humana é um valor com um fim em si mesmo, ou seja que não pode ser instrumentalizada por qualquer poder, em função de certos fins, valores ou objectivos, não significa que a vida humana deixe de ser uma condição inelutável, pressuposto indissociável, da pessoa humana.

Há Poderes que não estão na disponibilidade da pessoa humana, por mais alto que seja o lugar que na estrutura social de poder que ocupe o homem ou a mulher, quanto a estes Poderes não faz sentido algum o homem ou a mulher tentar opor ou competir, com o que quer que seja.

 

A vida humana é um poder que impera sobre a própria pessoa humana.

 

Faz todo o sentido, aceitarmos esta evidência de que a pessoa humana encontra-se subordinada à vida humana e ás capacidades desta.

 

Assim sendo a vida humana não é efectivamente um direito da pessoa humana, a própria C.R.P. evidencia esta asserção, ao tutelar como inviolável a vida humana, apesar da epígrafe deste artigo ser ‘direito à vida’.

É este o único sentido de um direito á vida. Por direito á vida, como se estabelece na Declaração Universal dos Direitos do Homem, nunca se poderia entender um direito a ter vida, como se esta fosse um bem sujeito a propriedade, ou um bem que resultasse da actividade humana, ou o dever do Estado ou outra pessoa prestar vida, mas sim a proibição de afectar a vida que permite a actividade humana de cada pessoa. O direito subjectivo à vida, nem significa neste ensejo o poder individualizado pela ordem jurídica numa pessoa de pretender e exigir de outrem um determinado comportamento negativo. Ao declarar inviolável na nossa ordem jurídica a vida humana, significa que este comportamento devido perante a vida humana impõe-se independentemente da vontade de o exigir ou de o pretender pela pessoa humana cuja[1] vida se tutela.

Revela, esta atitude do nosso legislador constituinte perante a vida, plasmada nas disposições formais constitucionais, uma concepção, que corresponde à que temos explanado neste texto: a personalidade humana deve subordinar-se à vida humana.

 

A pessoa humana e suas manifestações, subordinada á vida humana, como ser e dever-ser jurídico, significa que independentemente da vontade da pessoa cuja vida se tutela, a vida humana é tutelada e tida como inviolável. Até à própria pessoa humana cuja vida se tutela se proíbe o usar a actividade humana que a respectiva vida lhe proporciona para acabar com a sua própria vida.

 

 

O direito subjectivo a morrer.

 

Pelo exposto, o direito subjectivo a morrer não se justifica segundo o Direito Natural, nem, também, encontra cabimento no direito positivo, pelo menos no da ordem jurídica positiva a que neste momento, neste lugar, me encontro submetido. Assim como não concebo a possibilidade de qualquer ordem jurídica, esta a que como afirmei me encontro submetido ou qualquer outra, outorgar a uma pessoa um direito que colida directa e intencionalmente com a manutenção da respectiva vida. Mesmo nas ordens jurídicas em que a chamada ‘eutanásia’ é permitida, a morte não é um direito subjectivo de quem morre. Na Holanda, por exemplo, quando o paciente morre nos termos da chamada ‘Lei da Eutanásia’, não se considera que este dispôs da sua vida mas que é lícita, justificada ou por outras palavras, excluída da tipicidade do crime de ajuda ou do de incitamento ao suicídio a intervenção que directa e intencionalmente levou àquela morte, art. 293.º, 2.º parágrafo do Código Penal holandês; também no Uruguai, é no capítulo sob a designação ‘De las causas de impunidad’, III, do Título II, nomeadamente art. 37.º, do Código Penal que é tratada a questão da ‘eutanásia’.

Não sendo um direito subjectivo, nesta perspectiva, na perspectiva de direito potestativo também está excluída a possibilidade de o ser. É absurda a concepção de que sobre a própria vida, para terminá-la, uma pessoa teria o direito de segundo a sua vontade de per si, ou integrada por uma acto de autoridade, produzir efeitos jurídicos que se projectariam inelutávelmente na esfera jurídica de outrem. Primeiro porque a figura dos direitos potestativos foi pensada para a prática de factos e na ‘eutanásia’ não é o próprio que pratica o facto que leva directa e intencionalmente á sua morte, mas outro. E em segundo lugar pelas razões aduzidas para contestar a hipótese do direito subjectivo a morrer.

 

O interesse legalmente protegido dos cidadãos em infligir a morte a membro da sua comunidade, em virtude de circunstância muito especial em que este se encontraria.

 

A concepção de que à ‘eutanásia’ corresponderia um interesse dos membros da comunidade, compadecendo estes da situação de sofrimento que verificam estar a sofrer este respectivo membro, está sujeita às mesmas críticas que a concepção do direito a morrer, pois se uma pessoa individualmente não o tem sobre a respectiva vida – como se conceberia que o tivesse a comunidade?

Mas aqui há que ter em conta um factor que mitiga a concepção do direito subjectivo a morrer. O factor da comunidade dever servir a pessoa humana seu membro constituinte e de esta, a pessoa humana servir a comunidade, nomeadamente, o seu próximo – duas vertentes que não são mais do que diferentes faces da mesma moeda.

Esta concepção explica a possibilidade de a comunidade poder providenciar a certo membro seu, face á situação de sofrimento em que este se encontra, medicamentos que suavizem ou mesmo afastem este sofrimento quando o considerem intolerável e excessivo segundo os parâmetros de sofrimento a que se encontra sujeita a pessoa humana enquanto dotada de vida humana. Também explica esta concepção a possibilidade da pessoa humana em estado terminal, aceitar em benefício da comunidade, que lhe sejam administrados medicamentos que ainda estejam em teste desde que se espere que estes sirvam para minorar aquele sofrimento.

Todavia, esta concepção não fundamenta a possibilidade de a comunidade ter um interesse directo e intencional na morte de um membro seu, nem que este interesse seja tutelado por normas jurídicas.

 

O interesse público em infligir a morte a pessoa humana sujeita à soberania que manifesta esse interesse, em virtude de circunstância muito especial em que esta se encontraria.

 

A esta, todas as críticas que se fizeram ás concepções anteriores, repetem-se.

Relativamente à tese imediatamente anterior há que referir que pode conceber-se um interesse público de controlar os medicamentos que são testados na pessoa humana naquela circunstância.

 

 

Sítios na Internet que foram úteis a este trabalho.

 

 

 

 

 

 

[1] Sempre que aqui nos referirmos á vida humana como algo que pertença a alguém, é por uma questão de semântica e de economia de texto. O que se deve entender é que a cada pessoa humana está adstrita vida humana que permite a sua actividade mas esta adstrição não significa que sobre a respectiva vida a pessoa tenha qualquer poder.