Breve Exposição da Origem e Evolução da Autoridade na Economia

Marco Binhã/ Fevereiro 24, 2006/ Areas de Atuação, Direito Administrativo, Direito Constitucional

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1. Introdução

Breve Exposição da Origem e Evolução da Autoridade e do Estado na Economia

A investigação que foi feita para a realização do presente do trabalho não foi tão profunda quanto o tema merecia e para que fosse este mais um trabalho de análise jurídica do que de cultura geral ou politica, o que teríamos conseguido, nomeadamente, através da análise dos documentos jurídicos históricos que dispõem sobre os aspectos aqui tratados nestas diferentes épocas e civilizações. Portanto, é apenas uma Breve Exposição. Adequada, no entanto, ao trabalho que nos foi pedido pela Dr.ª Sílvia Galvão Telles para as aulas práticas da disciplina.

Quisemos neste trabalho apresentar de forma clara e sintética mas com os devidos cuidados que estiveram ao nosso alcance, a um trabalho para a disciplina de Direito Administrativo II, da área de jurídico-políticas, do 5.º ano do Curso de Direito da Universidade Lusíada de Lisboa, o papel na economia, não só do Estado, porque há épocas ou períodos históricos aqui retratados em que não houve Estado existente como tal mas houve Autoridade e é esta, a Autoridade, mais do que o Estado, que quisemos como central para o presente trabalho.

Para começarmos uma verdadeira Origem da Autoridade na Economia tínhamos de começar num período histórico marcado pelo caos, não é aí que começámos, nem é no início da História, tentámos retratar o fenómeno tal como ele se apresentava na época madura da primeira civilização, a egípcia, que tanto nos atrai dado o grau de complexidade da sua estrutura administrativa que apesar de ser a primeira impede que a qualifiquemos de primitiva. Continuámos o trabalho compreendendo a civilização europeia, atendo-nos, nesta síntese, com excepção da menção devida no Ponto 8 ao comunismo para ilustrar melhor aspectos do objecto do nosso trabalho, aos estados ditos do Ocidente, sem analisá-los individualmente mas integrados num certo período.
Os períodos históricos a que aqui fazemos referência servem apenas como referencial numa espécie de friso cronológico não significa que se encerram dentro dos períodos aqui marcados todos os fenómenos neste trabalho aí enquadrados.

2. Antigo Egipto, 4000 a.c.

A primeira civilização, a do Antigo Egipto, era dotada de uma estrutura administrativa caracterizada por um forte sentido de centralização e um grande número de funcionários na dependência hierárquica do Faraó para que o poder deste pudesse estender-se a todos os súbditos. Nesta sociedade considerava-se a terra propriedade dos deuses, ou seja dos templos e administrada pelos sacerdotes em nome dos deuses.
O poder do Faraó sobre a economia era inquestionável, regulava desde a produção ao consumo, conformava toda a economia por meio da Autoridade de que disponha.
No entanto, este poder dirigia-se à satisfação dos deuses, incluindo sacrifícios aos deuses ou pelos deuses, pois, além de lhes pertencer a terra, a água, o fogo e o ar eram estes que proporcionavam a prosperidade e o bem-estar colectivos. Ao Faraó, Sumo Sacerdote e ao mesmo tempo, órgão máximo da Administração, personificava o Estado e estava habilitado, por exercer estas funções, a dirigir toda a vida do Egipto, incluindo a vida económica, não cabia proporcionar estes resultados de outro modo que não visasse o seu próprio engrandecimento como Sumo Sacerdote, agradando assim aos deuses.
Desvio a este sentido do exercício do poder no Antigo Egipto podemos ver no episódio do sonho do Faraó, presente no Livro do Génesis, Antigo Testamento. Após a interpretação do sonho, pelo escravo hebreu José, cujo Deus concede aos homens prudência e sabedoria para servir o bem-estar do povo, o Faraó, convencido dos poderes devinatórios de José ou pondo-os à prova, consente a adopção de todas as medidas que José decida para evitar os anos de fome que previu .

3. Atenas, do século IV a.c.

Na Atenas do séc. IV a.c. existiam magistrados como os agorónomos, os metrónomos, os sitofilocos e os inspectores do porto comercial que exerciam diversas funções que visavam vigiar o cumprimento das leis e a sanção das infracções, mas nenhuma destas era inspirada por preocupações económicas.
Na sociedade grega, diferentemente do que se verificava na do Egipto aqui retratada, os homens que exerciam a Autoridade eram homens, ou melhor cidadãos, homens como os outros cidadãos, não eram mistificados de deuses. Esses os deuses, tinham características muito próximas das dos homens, embora fossem imortais, mais poderosos e lhes fossem permitidos, ao contrário do que acontecia aos homens, todos os excessos.
Aos cidadãos eram reconhecidos direitos, nomeadamente, da propriedade da terra, deixavam a regulação da economia essencialmente à tradição e ao mercado , a administração pública interferia estritamente para proteger os cidadãos, ainda que fosse dos seus concidadãos, como podemos ver nas reformas de Sólon, eleito arconte em 594 a.c. que determinaram um limite máximo para a superfície das propriedades agrícolas, a proibição do corpo como garantia de empréstimos que os camponeses tivessem contraído ou que viessem a contrair e a medida integrada no âmbito das reformas de Sólon que foi, recorrendo a dinheiros públicos e à Autoridade pública, a compra de todos os camponeses pobres que em razão de dívidas se houvessem tornado escravos, seguida da libertação dos mesmos.

4. Roma Antiga, séculos. VII a.c. a IV d.c.

Os romanos tinha idiossincrasias próximas dos gregos e tal como estes prezavam a propriedade privada, incluindo da terra e queriam a intervenção da Autoridade na economia reduzida ao mínimo, sendo que por vezes se verificasse uma intervenção maior da Autoridade no que respeitava à economia, a título de exemplo , na fixação pela Autoridade do preço dos cereais. Tal como os gregos os romanos compreendiam a necessidade da Autoridade controlar certas actividades económicas e de regê-las se necessário.

5. Feudalismo, séculos. X a XV

A Autoridade que cabia ao senhor feudal, resultava não do facto de ser aparentado a imperador ou chefe de estado, agente das leis da cidade ou a um ser que personificava um deus, mas por ser o proprietário da terra. Só no âmbito destes poderes de propriedade, portanto, dirigia ou influenciava a economia da sociedade e, naturalmente, em função do seu próprio interesse.
É nesta época que a Igreja Católica passa a ter um papel essencial na sociedade. Desde esta passa a ser uma instituição com enorme influência na difusão de valores, de uma moral e de uma ética na sociedade europeia.
Dado o vazio do poder temporal a Igreja Apostólica Romana passou a assumir uma importância preponderante nos processos sociais, políticos, económicos e culturais, redefinindo a sua vocação como poder temporal além de espiritual; transportando os seus valores e a ordem divina para o quotidiano, mas integrando nesta ordem divina a existência da sociedade tal como ela se encontrava estruturada pelo que a sua intervenção nas actividades económicas era essencialmente de regular pontualmente certos aspectos deste âmbito e pautava-se por critérios de necessidade para o respeito da dignidade da pessoa humana, como por exemplo no estabelecimento do salário justo que era o mínimo que o senhor feudal devia garantir em retribuição aos seus servos para que também os servos pudessem fazer uma vida minimamente digna.

6. Renascimento e Mercantilismo, séculos XV a XVIII

No séc. XV a época feudal dá lugar a uma época, caracterizada pelos descobrimentos, seguida das tendências fundamentais para o estatismo, o centralismo económico e o nacionalismo; marcada pelo conceito de soberania e pelo seu exercício por uma Autoridade central temporal. Em que se desenvolveu por três séculos, nomeadamente, sécs. XVI, XVII e XVIII nos espíritos dos governantes europeus o princípio da proeminência da riqueza monetária, doutrina económica designada de Mercantilismo.
Seguindo esta doutrina, o estado interveio sobremaneira na economia, nomeadamente, adoptando medidas destinadas a reduzir as importações e a fomentar a indústria e o comércio nacionais. A intervenção do estado nas actividades económicas era alheia a quaisquer considerações de ética e de equidade, como por exemplo, na sua preocupação de aumentar a produção nacional definia medidas de incremento populacional e de combate à ociosidade para favorecer um baixo nível de preços e de salários.
Não foram extintos pelo exercício do poder do soberano absolutista, os direitos, por exemplo, de propriedade, dos privados e das organizações da sociedade civil, dos nobres e da Igreja e respectiva liberdade, mas esmagados segundo os interesses do soberano.

7. Estado Liberal, séc. XVIII

A publicação do “Ensaio Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” da autoria de Adam Smith, marca o começo da economia moderna, em 1776.
Para Adam Smith, o fundador da Escola Clássica Liberal, o Estado devia abster-se de qualquer intervenção na economia, o melhor regime para a economia não dependia da vontade do soberano mas como que de uma “Mão Invisível” que conduziria os agentes económicos ao mais vantajoso e assim ao progresso. Para tanto os agentes económicos deviam ser livres e esclarecidos sobre as condições da oferta no mercado para agir segundo os seus interesses.
Segundo Bastiat, representante da escola liberal clássica francesa “a liberdade revelava a sabedoria de Deus, ai daquele que queira corrigir essas leis é um ímpio e um blasfemo”. Exclamação esta que representa bem a escola liberal clássica e que encontra amparo na doutrina católica, nomeadamente em São Tomás Aquino, séc. XII, que encontra na liberdade e na necessidade de o homem realizar-se a si próprio, através dos seus actos, o conteúdo fundamental da dignidade da pessoa humana e define para a Autoridade do estado um papel de serviço à dignificação dos seus súbditos, pelo que o exercício da Autoridade é em princípio mau, embora excepcionalmente possa ser bom se servir, o mais estritamente possível, a esta finalidade.
Não obstante, os liberais clássicos deixarem ao mercado a regulação da economia e apoiarem-se na civilidade dos agentes admitiam, como necessária e cumprimento de um dever do estado para a garantia da autonomia individual e propriedade privada, a presença da Autoridade estadual em certas aspectos que também respeitavam à economia: a protecção dos cidadãos da injustiça e opressão que outros lhes queiram infligir; protecção dos cidadãos da violência e invasão das outras sociedades; criação e preservação de certos serviços públicos e instituições que nunca seriam criadas e preservadas no interesse público dos cidadãos, como consideravam necessário.
Com o liberalismo político, para a defesa dos direitos do povo, nasce o constitucionalismo e a subordinação do exercício do poder a normas estabelecidas pelo povo que visavam garantir os direitos da pessoa humana que incluíam a liberdade e a propriedade privada, o equilíbrio do exercício do poder e definir os limites do exercício do poder – Estado de Direito. Os homens vêm-se iguais em dignidade e eliminam-se os privilégios das ordens sociais, incluindo da Igreja.
Cada vez mais industrializada, com um número de operários cada vez maior, a concentrarem-se em cidades que vão-se tornando cada vez mais maiores centros comerciais onde cada operário é só mais um número, a sociedade vai se tornando mais materialista e é posta em causa a influência da Igreja Católica. Assistimos os Estados ao erigirem-se em Republicas a efectivamente quererem-se laicos. No entanto não se pode daqui concluir que a doutrina do catolicismo não encontrará ao longo da evolução dos Estados no Ocidente, correspondências nos espíritos mais ou menos liberais ou socialistas.
A liberdade pela igualdade social foi o fundamento para dar fim aos privilégios das ordens sociais, tendo sido portanto reclamada como um dos pressupostos da liberdade individual inscrita em todas as constituições da Europa continental, mas esta concepção de igualdade social tinha uma função meramente formal ou garantística. A igualdade social devia ser assegurada pelo estado mas sem que este interviesse na sociedade para igualar os cidadãos, a igualdade de que aqui se trata é apenas uma igualdade perante a lei. Entendia-se que se a Autoridade interviesse na sociedade para igualar nos aspectos sociais e económicos os ricos aos pobres estaria a violar a igualdade desejada, ou seja, o princípio da igualdade aqui tinha aqui uma função essencialmente negativa das atribuições prestativas do Estado, no sentido de lhe coibir a tarefa de igualar os cidadãos prestando-lhes bens, devendo tratá-los a todos por igual.
O exercício do poder no Estado Liberal quer-se descentralizado para atingir o máximo da eficiência. A Lei, máxime, a Constituição, fundamenta-o e conforma-o, pelo que a intervenção do Estado na economia passa a legitimar-se na lei e pela lei conformada no interesse dos cidadãos. Assim o Estado não exercia a sua Autoridade na economia pelos meios que não fossem os previstos na lei para essa actuação e no exercício dessa Autoridade não se organizava por meios que não fossem também os previstos na lei para esse efeito. O princípio era o de que o Estado não deve actuar, mas deixar á Sociedade essa actuação, a lei que estabelecia as atribuições e competências para a actuação do Estado, fundamentava a excepção da intervenção do estado. Pelo que é uma característica do Estado Liberal a perfeita distinção entre direito público e direito privado.

Aos deveres do Estado numa economia liberal, apontados pelos liberais clássicos, Sismondi de Sismondi, acrescenta a concepção de que ao Estado deve caber também, no exercício da sua Autoridade assegurar aos trabalhadores cobertura contra os riscos de doença, invalidez e desemprego.
Este autor afasta-se da doutrina clássica liberal inaugurada por Adam Smith e dá início a uma nova escola liberal que é chamada de intervencionista, por conceber a intervenção do Estado como Autoridade, em amplos aspectos da economia, com a finalidade própria de defesa da dignidade da pessoa humana. O que é um grande desvio à doutrina liberal clássica, pois concebia o estado com finalidades próprias de intervenção na economia quer dizer com finalidades que não são para integrar as finalidades dos agentes económicos.
Fundamentava-se Sismondi de Sismondi no facto de que até àquele momento a Sociedade ainda não tratara daqueles aspectos essenciais á dignidade da pessoa humana nem se previa que sem a intervenção do Estado como Autoridade fossem tratados como devido à dignidade da pessoa humana que se impunha.
A visão liberal clássica de que a medida da dignidade da pessoa humana alcançada depende dos interesses da Sociedade, quer dizer dos seus agentes, é aqui substituída nesta perspectiva realista que apela não à solidariedade da Sociedade mas há condescendência da Sociedade na intervenção do Estado para privilegiar certas pessoas que sem a intervenção da Autoridade estadual não conseguem em certos momentos a dignidade material mínima exigida para a pessoa humana.
Mais liberais intervencionistas, a Sismondi de Sismondi, se seguiram, nomeadamente os que integraram na chamada doutrina do Socialismo Catedrático. Como, melhores exemplos dos liberais intervencionistas que contribuíram para esta doutrina, Le Play e Von Schmoller.
Defenderam a intervenção do estado na economia para corrigir os abusos derivados de uma livre concorrência. Esta escola, a do socialismo catedrático, exerceu bastante influência em Portugal, no final do séc. XIX, como se pode perceber através da obra de Rodrigues de Freitas, de Oliveira Martins, Frederico Laranjo, Anselmo de Andrade, Marnoco e Sousa, entre outros.

8. Comunismo, fim do séc. XIX, século XX

Em 1867 é denunciado por Marx, na obra o “Capital” que a economia liberal favorece os capitalistas que, enriquecem-se, aproveitando-se do trabalho dos operários que são a verdadeira causa e motor do progresso.
Marx defendia que o comunismo era a alternativa que necessariamente sucederia ao capitalismo favorecido pela economia liberal, sendo que por via revolucionária seria instaurada, pelo operariado em todas as sociedades capitalistas este sistema económico e político.
O comunismo ao contrário do liberalismo não se fundamenta na liberdade dos agentes mas na igualdade material entre estes que deve ser realizada pelo Estado que recorrendo à sua Autoridade deve submeter todos os agentes a estas finalidades. No âmbito de um sistema comunista não existe intervenção do Estado, pois o que aqui se verifica é a direcção centralizada de toda a economia e o desaparecimento das decisões económicas por outras entidades que não seja esta única, pelo que não há entidades entre as quais o Estado poderia vir a ‘intervir’. Aqui verifica-se um papel do Estado na economia qualificado de dirigista.

9. Estado Social de Direito ou Estado Providência, séc. XX

O intervencionismo do Estado Liberal, caracterizou-se de pragmático, sobretudo após a I Grande Guerra em que o Estado foi legitimado, devido à conjuntura, para adoptar medidas que a Sociedade precisava que o Estado adoptasse e que por isso granjearam grande consenso. Não se pode qualificar este de Estado Social de Direito mas o aumento considerável do seu âmbito de actuação na economia é de registar como o momento em que se pode verificar a aceitação de que o Estado deve ter uma intervenção na Sociedade não só em estritas e determinadas áreas mas em todas as que se revelarem carecidas dessa actuação.
Ao intervencionismo pragmático sucedeu-se um Estado, menos liberal, planificador e quando não, dirigista. Tal aconteceu na Alemanha em que o intervencionismo pragmático da República de Weimar deu lugar ao nacional-socialismo.
A Crise de 1929, abala a crença no liberalismo e a necessidade de intervenção do Estado na economia para corrigir as desigualdades sociais é cada vez mais sentida pela Sociedade. Procura-se que a Autoridade exerça o seu poder para conformar a sociedade e principalmente, a respectiva economia, em função do bem comum. Surge o Estado Social de Direito.
Á Autoridade são reconhecidas mais atribuições sobre a economia, que devem ser prosseguidas pelo Estado ou são delegadas por este às organizações corporativas. Atribuições estas que abrangem todas as áreas da economia e se concretizavam na regulamentação, no âmbito da conformação da vida económica em função do bem comum, favorecendo a equidade e a gestão em função do bem comum; e concretizavam-se em prestações de bens e serviços públicos à generalidade da Sociedade para corresponder ao bem comum.
O bem comum sobrepõe-se à autonomia individual e à propriedade privada pelo que prossegue, com legitimidade democrática e não a revolucionária que caracteriza o comunismo, gradualmente, por meio de reformas, a colectivização dos bens de produção para que sejam utilizados todos estes recursos em função do bem comum.
Além desta actividade de regulamentação à Autoridade, em função do bem comum, incumbem deveres de prestação às pessoas dos bens indispensáveis que, por exigência e em função do bem comum, estas devem beneficiar, no que respeita à educação, saúde, habitação. O princípio da igualdade não é aqui entendido com um conteúdo unicamente negativo como se caracterizava no Estado Liberal, tem aqui um conteúdo positivo, no sentido de que vincula o Estado a promover a igualdade, procurando igualar as condições económicas, sociais, de educação e de bem estar dos cidadãos através da prestação de bens e manutenção de serviços públicos.
É característica do Estado Social o esbatimento da distinção entre direito público e direito privado. Pois ao Estado cabe aqui procurar o bem comum e pode fazê-lo pelos meios que estiverem ao seu alcance para melhor atingir o objectivo, muitas vezes são os meios de gestão privada os que melhor permitem essa eficiência – o Estado Social não produz necessariamente direito específico para regular a sua actuação, admite-se que actue segundo o direito privado, pois na prossecução do bem comum há áreas em que pode actuar sem recorrer à sua Autoridade, fenómeno que, no sistema administrativo continental, caracteriza o seu direito específico.
A funcionalização da autonomia individual é uma das características do Estado Social que o distingue do Estado Liberal. Verifica-se que interesses do bem comum passam a ser ponderados no âmbito do direito privado de modo, em vários aspectos, prevalecente às ponderações de interesse individual, como acontece, por exemplo, no Direito do Trabalho e no regime do arrendamento urbano. O Estado Social mais do que respeitar a liberdade e autonomia individual quer dotar as pessoas dos meios para que estas, segundo o bem comum, possam actuar na Sociedade em favor do progresso porque o progresso favorece o bem comum.
O Estado Social de Direito caracteristicamente, reflecte uma apreensão ao modelo liberal, não é a antítese deste, embora dele se afaste consideravelmente. Joseph Schumpeter, na sua obra de 1943, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, ilustra a apreensão, que marca o Estado Social face ao liberalismo, quando ao afirmar que o [liberalismo] capitalismo permite uma dinâmica mais favorável ao progresso que o socialista/comunista e o progresso significa uma melhoria significativa nas condições de vida, por exemplo, permitiu que não só os ricos tivessem acesso a sapatos e à cultura, e acrescenta: no entanto daqui não se deduz que os homens estejam melhor ou mais felizes hoje na sociedade industrial do que estavam numa aldeia medieval.

10. Estado Subsidiário, séc. XX

Após a Segunda Guerra Mundial verifica-se a passagem do Estado Providência para a tendência de um papel do Estado na Sociedade pautado pelo princípio da subsidiariedade.
Neste período evidenciou-se a impossibilidade dos estados proverem por si só a todas as necessidades as quais estavam incumbidos de satisfazer, principalmente para os Estados palcos da guerra e assumiu-se que o poder regulamentador da Autoridade, actuava em prejuízo da eficiência das actividades económicas que o bem comum exigia; representou também o fim desta guerra, o culminar das tendências totalitárias na Europa que asfixiavam a capacidade de agir da sociedade e de se organizar em grupos dinâmicos com competências próprias, expressão da dignidade e liberdade devida à pessoa humana. Uma sociedade livre, em que às pessoas que a constituem são reconhecidos direitos e liberdade de agir, independentemente da vontade da Autoridade é pressuposto do que se possa considerar Estado Subsidiário. Pois não há Estado Subsidiário onde não se verifique autonomia na relação entre o Estado e as pessoas as quais no exercício das suas atribuições visa acudir.
Outro dos pressupostos do Estado Subsidiário que também se verificou após a Segunda Guerra Mundial é que o Estado tenha atribuições para conformar a sociedade, dado que a Subsidiariedade não gera competências apenas define os limites do dever de ingerência e do dever de não ingerência, designadamente, do Estado na Sociedade. Não é que o Estado Subsidiário pressuponha necessariamente um Estado com as atribuições do Estado Social de Direito, o que queremos é afirmar que num, Estado Liberal, ou onde ao Estado não cabem atribuições para conformar com a sua Autoridade a Sociedade, não haverá aí Estado Subsidiário.
O Estado Subsidiário, sem negligenciar à obrigação de intervir para corresponder às suas atribuições de prossecução do bem comum, o que o distingue do chamado Estado Mínimo, caracteriza-se por render-se à promoção da solidariedade e da emancipação do indivíduo. Devolve à sociedade liberdade e vontade individual que permite uma sociedade mais dinâmica e com um nível de desenvolvimento maior, denominada sociedade de risco, na qual o Estado assume um papel essencialmente regulador das actividades que os agentes económicos desenvolvem, exercendo esta Autoridade reguladora para as atribuições que lhe incumbem de bem-estar social – numa síntese do Estado Subsidiário que se quer actualmente – através da conformação da concorrência, no âmbito das suas competências, de modo a que permita e facilite o desenvolvimento dos vários agentes económicos e uma maior produtividade.

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Barreiro, 24 de Fevereiro de 2006